Paulo Cesar de Oliveira

O jornalista e empresário escreve na terça-feira

Paulo César de Oliveira

As crises que produzimos diariamente

Publicado em: Ter, 24/08/21 - 03h00

Há um estardalhaço nacional sobre uma suposta crise entre os Poderes no Brasil, crise que ameaça as instituições e a democracia. Às vezes me pergunto se essa crise entre Poderes existe mesmo ou se nós, da imprensa, estamos alimentando um projeto pessoal que busca colocar em confronto o que não está em confronto.

Até quando vai durar esta suposta crise se a imprensa, aquela que forma opinião, não a das redes sociais que espalham inverdades e destroem reputações, deixar de falar nela? Deixar de dar dimensão e importância a uma briga alimentada pelo presidente Bolsonaro com o intuito, cada dia mais evidente, de encobrir o fracasso do que deveria ser seu governo.

Claro que não se pode desprezar os efeitos da pandemia sobre o governo, mas a razão maior do agravamento do quadro está no fato de o presidente ter subido a rampa em 2019 com um pé no palanque de 2022.

O presidente, por seu projeto pessoal, se preocupou mais em impedir o surgimento de lideranças que lhe fizessem frente em 2022 – vide as desavenças que urdiu para confrontar com o governador João Doria – e nem se importou em formar uma equipe de governo em que a submissão fosse mais determinante do que a competência no processo de escolha.

Faltando pouco mais de 16 meses para terminar seu mandato, não se pode falar em governo, e o presidente tende a radicalizar mais em suas posições, tentando armar confusões que possam causar dúvidas quanto à segurança das instituições e à estabilidade política.

Na verdade, ele vive um drama. Se insistir nesta estratégia, tende a agravar a crise econômica no país e, por conta disto, esvaziar ainda mais o seu apoio político no meio empresarial e também no meio militar, onde já é notória insatisfação com o tensionamento que ele procura incentivar, na esperança de alimentar uma aventura golpista.

Se descer do palanque e resolver, enfim, governar, corre o risco do insucesso pela exiguidade do tempo e de abrir chance para o surgimento de uma terceira via, prejudicando seu projeto de polarização com Lula, que também já se mostra ameaçador ao plano da reeleição.

São sombrios os caminhos do presidente, que parece não ver outra saída que não seja arrastar o país para o caos que justificaria, no entendimento dos espertalhões, a adoção da chamada mão de ferro, junto com a famosa mão boba do centrão que, a cada dia, e na medida em que a liderança do presidente se esvazia, ocupa mais espaço no governo, um espaço que deverá abandonar antes das eleições, como fazem os ratos nos navios que estão afundando.

O quadro, infelizmente, é esse. Não estou sendo pessimista e admito que possa estar cometendo algum erro. Erro que, certamente, não altera a realidade. Se o presidente insistir na estratégia política de usar trovões, que nem barulho fazem, e berrantes para juntar cabritos que apenas berram, e nós da imprensa continuarmos dando espaço para estas espertezas, só fará aprofundar nossa crise.

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