Paulo Diniz

Paulo Ricardo Diniz Filho é doutor em Ciências Sociais e bacharel em relações internacionais e administração pública

A falta de um viés propositivo: por dentro da filosofia bolsonarista

Publicado em: Ter, 03/07/18 - 03h00

Circulam pelas redes sociais, já há algum tempo, diversos vídeos cujo objetivo é confrontar pessoas, instituições e ideias que possam ser associadas à esquerda. Essas produções começaram a ganhar notoriedade quando a então presidente Dilma Rousseff iniciou sua derrocada em matéria de popularidade, o que a tornaria a governante eleita menos querida do Brasil até o momento. 

Nessa conjuntura, criticar o governo era extremamente popular, uma garantia de sucesso para os detratores digitais da gestão petista. Astros e estrelas surgiram na ribalta do antipetismo, porém não seria preciso afirmar que se tratou de uma dinâmica planejada ou mesmo controlada por personagens específicos. Na verdade, é nítida a característica espontânea na disseminação desse conteúdo, configurando a prática denominada como “viralização” nos meios virtuais atuais.

Ocorre que, nos últimos meses, o advento da candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República tomou forma. Surfando na onda do antipetismo, um caldo de ideias que mistura valores comportamentais, paradigmas macroeconômicos e boataria pessoal, Bolsonaro buscou se posicionar como porta-voz de um sentimento que surgiu dentro de uma conjuntura social e política muito particular, na qual ele não era protagonista sob qualquer aspecto.

Feitas essas ressalvas, é inegável que o deputado fluminense obteve sucesso em atrair para si a atenção e confiança de parte do público antipetista, algo que o coloca no segundo turno da disputa presidencial, mesmo na eventualidade de Lula disputar regularmente o pleito de outubro próximo, de acordo com as pesquisas já divulgadas.

Essa sobreposição de movimentos, portanto, não significa a formação de um pensamento bolsonarista no Brasil, como temem sobretudo analistas e estrategistas de esquerda. Tanto Bolsonaro quanto seus simpatizantes se orientam por uma lógica que sempre busca negar algo, articulando argumentos com o intuito de “vencer” o debate da vez. 

A depender do protagonista do momento, o discurso pode ser mais, ou menos, refinado: varia dos elogios à violência, que o próprio Bolsonaro costuma tecer publicamente, até à repetição mecânica de séries de dados históricos e econômicos deslocadas de seus contextos originais, praticada por outras celebridades digitais.

Nessa dinâmica, sucedem-se menções superficiais à Venezuela e a Cuba, como argumentos definitivos para desqualificar o opositor. No mesmo sentido, citar as reformas realizadas por Margareth Thatcher no Reino Unido funciona como um curinga argumentativo, mesmo que uma avaliação conclusiva sobre tais medidas ainda não tenha sido produzida pelos maiores especialistas mundiais nesse assunto.

Dessa característica intrinsecamente combativa do pensamento bolsonarista derivam duas questões: essa lógica de raciocínio será capaz de atrair eleitores indecisos durante o processo eleitoral?; qual a perspectiva de governo para uma plataforma que ainda não mostrou viés propositivo? 

O eleitor brasileiro médio, a despeito do desânimo com a política, tem se mostrado pragmático nos últimos anos, aprovando quem apresentava as perspectivas mais imediatas de crescimento econômico. Essa lógica explica o sucesso eleitoral de Fernando Henrique Cardoso, Luíz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, cada um visto como solução de continuidade segura para os avanços produzidos por seu antecessor. Esse retrospecto, assim, tende a produzir respostas bem negativas para a filosofia bolsonarista nas urnas.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.