Paulo Diniz

Paulo Ricardo Diniz Filho é doutor em Ciências Sociais e bacharel em relações internacionais e administração pública

Crise fiscal: cada um por si

Publicado em: Dom, 14/02/16 - 02h00
Pela primeira vez desde 2002, o governo de Minas Gerais deixa de pagar o salário de seus servidores de forma integral e regular, no quinto dia útil do mês. O motivo, mencionado pela equipe econômica de Fernando Pimentel ao longo de todo 2015, é a insuficiência de recursos fiscais, decorrente da queda na arrecadação do principal imposto estadual, o ICMS. Intrinsecamente ligado ao ritmo da economia, esse tributo foi duramente atingido pela crise que assolou todo o Brasil. Crises fiscais na Federação brasileira não são novidade. O que torna o momento atual diferenciado não é o panorama financeiro que ocupa as manchetes, mas sim a estrutura federativa nacional, muito diferente daquela que, em décadas passadas, deixava espaço para manobras políticas dos governadores.

A relação entre economia e política, sempre existente porque os responsáveis pela gestão econômica são mesmo os mandatários eleitos, ficou muito evidente na última grande crise estadualista. Ao longo da década de 80, governadores de todo o Brasil abusaram do direito de gastar além do que seus governos arrecadavam: o eufórico contexto de redemocratização, somado ao descontrole inflacionário vigente na época, contribuiu muito para que os governadores não pensassem, ao menos na perspectiva fiscal, no dia de amanhã. Os bancos estaduais, muito comuns em todo o país, servem como emblemático exemplo: frequentemente acabavam por financiar o excesso de despesas de seus respectivos Estados, não raro contraindo empréstimos no exterior para equilibrar a ficção contábil que era o orçamento público. 
 
Em meados dos anos 90, as consequências da gestão irresponsável se apresentaram ferozmente, sendo que a saída de tal dilema só foi possível a partir de uma negociação política junto ao governo federal: esse assumiu as dívidas estaduais, em troca do compromisso de que fosse executado um conjunto de reformas nas gestões estaduais. Foi assim, por exemplo, que a maioria dos bancos estaduais acabou extinta. Ainda hoje, os Estados brasileiros têm parte de seus repasses federais retida para honrar os compromissos assumidos nessa época. 
 
Como forma de evitar que o descontrole dos anos 80 se repetisse, foi aprovada em 2000 a Lei de Responsabilidade Fiscal, que criou regras e limites para a gestão fiscal que valem para toda a administração pública. Essa regulação impede, na prática, que se produza algum tipo de atalho de ordem política para que Estados e municípios saiam mais depressa da situação em que se encontram agora. É fato que hoje, via de regra, não se pode reputar a crise à irresponsabilidade de governadores e prefeitos; de toda forma, para resolver o problema atual, tais gestores só podem contar com o próprio esforço e criatividade, pois não há afinidade partidária capaz de contornar a lei. Basta ver, por exemplo, que a própria Dilma Rousseff se encontra diante de um processo de impeachment fundamentado na acusação de haver burlado, usando os bancos públicos, o limite de gastos anual do governo federal.

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