PAULO DINIZ

Nação do medo

Comparar as trajetórias de Donald Trump e de Jair Bolsonaro sempre foi uma tentação grande para a imprensa e para comentaristas políticos de ambos os países

Por Paulo Diniz
Publicado em 02 de abril de 2024 | 06:00
 
 

Comparar as trajetórias de Donald Trump e de Jair Bolsonaro sempre foi uma tentação grande para a imprensa e para comentaristas políticos de ambos os países. Mesmo que as diferenças entre Trump e Bolsonaro sejam muito maiores do que suas semelhanças, ainda assim associar um ao outro permaneceu sendo uma opção fácil.

Hoje Trump se encontra em plena atividade política, sem mandato e com diversos problemas junto à Justiça – assim como Bolsonaro. Ainda assim, Trump surge com folga nas pesquisas eleitorais – em ambas as formas de estimativa eleitoral utilizadas nos EUA, a liderança é nítida. A soma das intenções de votos coloca Trump 4% à frente de Joe Biden, uma diferença grande, quando se considera a polarização extrema e duradoura da política dos EUA.

Já a combinação dos resultados de cada Estado, atribuindo mais pontos aos maiores colégios eleitorais, coloca Trump com margem ainda mais ampla: 312 pontos, contra 225 de Biden.
Mesmo que pesquisas eleitorais possam ser revertidas, elas ainda representam o desejo de muitos votantes no momento atual. E é exatamente nesse ponto que reside a grande dúvida: por que, já tendo experimentado uma gestão de Trump, tantos eleitores o querem no poder novamente?

Nada mudou durante o governo Trump, ou mesmo depois desse: a economia dos EUA segue com números excelentes, o desemprego está nos níveis mais baixos das últimas décadas, a pandemia acabou e, principalmente, nenhum dos cataclismas previstos por Donald Trump chegou a ocorrer. Supostamente, seria difícil posar como herói quando as ameaças são imaginárias; impossível fazê-lo, entretanto, quando o motivo do terror é irreal e faz parte do passado. Nesse ambiente, o que pode oferecer Trump ao eleitorado?

Nada. O republicano repete o roteiro apocalíptico que usou na campanha de 2016 e ao longo de todo o seu mandato, agora temperando-o com flertes com o golpismo explícitos. Apesar disso, o eleitor ianque ainda consegue enxergar em Trump uma esperança de futuro.

Talvez a explicação não esteja em Donald Trump ou em sua campanha assustadora e repetitiva, mas, sim, no eleitor dos EUA, que pode estar muito suscetível a ser assustado. Vale lembrar que, há décadas, a indústria cultural desse país produz e dissemina conteúdos versando sobre catástrofes gigantescas e o colapso da sociedade – o “fim do mundo” se tornou parte do imaginário popular, de tão difundido, sendo para muitos uma mera questão de tempo. Uma sociedade acuada, e que cultua o medo coletivo, é presa fácil para quem se apresenta como herói.

Não importa o quão inverossímil sejam Trump e suas narrativas de crise, ainda assim ele parece obter sucesso. Afinal, o público se acostumou a temer uma invasão de mortos-vivos, uma ameaça bem mais apartada do mundo real.

E no Brasil, de matriz cultural tão distinta, seria possível que Bolsonaro se torne um candidato competitivo com base na repetição de sua campanha de 2018? Existe disposição para que o brasileiro busque um super-herói na Presidência? Por enquanto, não.