PAULO DINIZ

Não há inocentes na polêmica atual sobre arte e costumes

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 24 de outubro de 2017 | 03:00
 
 
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Redes sociais, conversas de família, salas de aula e plenários do Legislativo fervilham há semanas, no Brasil, ecoando temas que vão da arte à grade curricular das escolas, passando pelo papel da religião na vida da sociedade. A tolerância da maior parte da sociedade brasileira com temas de vanguarda se esvaiu repentinamente, de maneira que se formaram nítidos grupos contrários e favoráveis a um conjunto amorfo de assuntos que vão da discussão do mérito de expressões artísticas ao ensino religioso nas escolas. É curioso perceber que a sucessão genérica de polêmicas é ampla a ponto de fazer com que cada caso específico sirva de combustível para o próximo: mesmo que os temas centrais muitas vezes não guardem muita relação entre si, é exatamente o pano de fundo comum, contra o qual são feitos os debates, que acaba unindo-os em um grande conflito nacional entre os autodeclarados progressistas e conservadores.

Nesse sentido, o alvoroço surgido em torno da presença de crianças em uma performance onde havia um homem nu, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo, ocupa um lugar exemplar. Inicialmente, a simples coincidência entre crianças e nudez já foi suficiente para motivar acusações relacionadas à pedofilia, que logo passaram a envolver conceitos religiosos relacionados a pecado, dando à polêmica uma dinâmica própria. Essa associação entre ideias, evidentemente, também percorre o caminho oposto: questionamentos sobre a arte, suas mensagens, formas e lugares, são interpretados rapidamente como condenações a todo o modo de vida praticado por quem, eventualmente, aprecia ou produz as manifestações artísticas em discussão.

Por detrás de uma polêmica que cresce a cada dia, tem-se o caso relativamente simples no qual as regras de um evento, dentre elas a recomendação de idade mínima aos espectadores, foram desconsideradas pelo adulto responsável pela criança em questão. Questionar a adequabilidade dessas regras seria um caminho razoável a seguir, o que levaria a uma discussão técnica, envolvendo pedagogos e psicólogos, a respeito do processo de desenvolvimento das crianças e das distintas capacidades cognitivas que marcam cada idade. Essa vertente, entretanto, dificilmente obteria o impacto midiático que podemos acompanhar hoje.

Outra possibilidade de discussão, razoável e objetiva, versaria sobre uma hipotética necessidade de intervenção do Estado na dinâmica interna das famílias brasileiras: devem os pais escolher o conteúdo ao qual seus filhos serão expostos, ou seria necessária a imposição de um agente público nessa relação, barrando a entrada de menores em eventos indicados apenas para o público adulto? Novamente, trata-se de outro debate que não despertaria paixões, menos ainda mobilizaria os extremos do espectro político esquerda-direita.

É fácil perceber o quanto da política partidária está presente na pretensa polêmica atual a respeito da arte. Como alternativa às desgastadas propagandas institucionais das legendas, lideranças de todos os matizes eleitorais tomam o debate público, ocupam espaços e ganham exposição ao fazerem a defesa de valores que apenas indiretamente podem ser relacionados com a infância ou a arte.

Dessa maneira, não há inocentes nessa pretensa polêmica que contrapõe arte e costumes no Brasil de hoje: todos manipulam valores que, geralmente, têm efeito nas urnas, com vistas a construir alguma vantagem no pleito de 2018.