PAULO DINIZ

O capitalismo somos nós ao darmos espaço para nosso egoísmo

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 16 de maio de 2017 | 03:00
 
 

O momento político brasileiro tem alcançado níveis de polarização dignos de torcidas de futebol. Essa dinâmica, que é positiva por envolver cada vez mais pessoas em discussões políticas, ao mesmo tempo é deletéria por produzir o empobrecimento geral do debate. Alguns pontos dessa discussão, entretanto, merecem ser pinçados para aprofundamento: um exemplo é o capitalismo, termo que há tempos não era evocado com tanta frequência como culpado das mazelas que afetam a humanidade. Com a entrada em pauta de temas como a reforma trabalhista, ganha fôlego a dicotomia de se demonizar ou entronizar o capitalismo; porém, é mesmo possível atribuir tantas consequências à forma como se organiza a economia de um país?

Segundo Karl Marx, primeiro a estudar o capitalismo com profundidade, a resposta é “sim”. Testemunha da expansão dos conglomerados empresariais, Marx registrou dinâmicas econômicas e mercadológicas que podem ser observadas ainda hoje com facilidade. No mesmo sentido, sua contribuição científica para a compreensão das relações de trabalho também é amplamente aceita. Os problemas surgiram quando Marx transpôs suas descobertas econômicas para vários outros campos da ciência, além de sua atuação pessoal como militante político na Europa da segunda metade do século XIX. Ao brandir o capitalismo como um curinga, origem de todos os problemas e obstáculo para as soluções, Karl Marx abriu caminho para a irracionalidade de muitas discussões que vemos hoje no Brasil.

Partindo desse paradigma do capitalismo onipotente e onipresente, a esquerda brasileira fortalece a imagem de um vilão terrível, quase corporificado, contra o qual a adesão de todos deve ser inquestionável e imediata. Trata-se, afinal, de uma luta clássica do bem contra o mal, que só se mantém plausível a partir de uma narrativa conspiratória constante: é preciso alinhar todos os pequenos fatos cotidianos de acordo com essa dicotomia simplista, que opõe o capitalismo cruel à felicidade geral da humanidade. Além de fantasiosa, essa lógica tende a impedir o diálogo com outros atores políticos.

Por outro lado, tem-se cientificamente o capitalismo como um sistema econômico cuja base é a propriedade privada, empregada livremente por seu dono em busca do lucro. Essa liberdade costuma gerar desigualdade social e opressão: daqueles que possuem propriedades, e as exploram economicamente, em relação aos que não as têm, e que, por isso, vivem de seus salários.

Assim, percebemos que o capitalismo dá espaço para que o homem exerça, no campo econômico, a mesma crueldade e egoísmo com que costuma tratar seu semelhante em outros campos. Por isso, as alternativas ao capitalismo que já foram colocadas em prática não foram mais do que mecanismos de controle da ação humana, e não apenas fórmulas de organização da economia. Não foi por outro motivo que o “socialismo real”, implantado na União Soviética e Leste Europeu até o final dos anos 80, foi sempre acompanhado por brutais ditaduras no campo político. Para proteger o homem de sua própria maldade, açulada pela liberdade de ação que o capitalismo proporciona, a solução produzida pela esquerda foi aprisionar o ser humano sob o jugo do Estado.

O capitalismo, enfim, não merece as acusações que lhe são imputadas pela esquerda brasileira nos dias de hoje: não passa de uma simples denominação, entre tantas outras, sob a qual tentamos esconder a vilania de nossa espécie.