Paulo Diniz

Paulo Ricardo Diniz Filho é doutor em Ciências Sociais e bacharel em relações internacionais e administração pública

O caso Marielle e efeitos de uma declaração de guerra ao crime

Publicado em: Ter, 20/03/18 - 03h00

Em março de 1994, o candidato governista à Presidência do México, Luis Donaldo Colosio, foi assassinado à queima-roupa diante de uma multidão de pessoas e câmeras. Colosio foi morto em Tijuana, cidade onde o crime organizado já exercia domínio havia bastante tempo. Apesar de esse assassinato jamais ter sido esclarecido, nunca foram descartadas suspeitas de conexão com a escalada de violência que começava no país. Mesmo com o choque causado pelas imagens da morte de Colosio, todos logo voltaram a suas atividades e interesses usuais.

Em dezembro de 2006, o governo mexicano acabou declarando guerra ao crime organizado, que teve início com o envio de 6.500 soldados ao Estado de Michoacán: hoje, calcula-se que a força militar empregada chegue a 45 mil homens. Desde então, não só a violência no México seguiu crescendo, como 128 políticos foram assassinados, de acordo com levantamentos da imprensa local. Não há mais o espanto que, mesmo efêmero, tomou conta do país em 1994.

Políticos não são mais importantes do que as demais pessoas, e, certamente, o desastre mexicano já vitimou dezenas de milhares de cidadãos comuns. Porém, os políticos desempenham o importante papel de dar voz à sociedade, levando os problemas desta ao Estado para sua resolução. Quando essa intermediação não é feita, o Estado perde sua finalidade maior: atender as demandas populares. Sem políticos atuantes, o Estado se torna perigosamente autônomo, perseguindo os objetivos que agradam apenas à conveniência de seus gestores do momento.

A grande maioria dos políticos assassinados durante a guerra às drogas no México é composta de prefeitos e vereadores, o que remete à morte da vereadora carioca Marielle Franco, quinta mais votada no pleito de 2016, fuzilada em pleno centro da cidade do Rio de Janeiro. Extremamente crítica da forma como as forças policiais atuam nas regiões que representava, Marielle buscava cumprir a tarefa básica de uma agente política: levar ao Estado a visão que uma parte do povo tem de seus atos. Seu assassinato, assim, parece ter sido direcionado para o rompimento dessa conexão tão importante, entre Estado e sociedade, que se pode chamar de “democracia”. Os mandantes de tal crime, dessa forma, tinham o interesse de conter a ação que o Estado, no futuro, acabaria por tomar para atender os 46 mil eleitores representados por Marielle Franco. O assassinato de um político, assim, gera consequências amplas, impactando os rumos que tomará a ação do Estado.

O contexto geral carioca, de crise aguda na segurança pública e intervenção de tropas federais, guarda uma incômoda semelhança com a guerra ao crime mexicana. Não sendo possível associar a intervenção do Exército ao caso de Marielle, já que a violência tem um conjunto amplo de causas, ainda assim é forçoso reconhecer que a criação de um ambiente de guerra aberta torna legítimo o uso de métodos mais agressivos pelas partes envolvidas: se o poder público lança mão de suas mais poderosas armas, os criminosos que puderem reagir à altura o farão. Trata-se, afinal, de uma “guerra declarada”: nesse contexto, os políticos não só perdem poder em relação aos comandantes do conflito, como também se tornam alvos preferenciais.

Quando o espanto gerado pelo caso de Marielle Franco passar, algo que ocorrerá, é importante que o assassinato de políticos não seja aceito socialmente como algo normal. Afinal, quando um político eleito é morto, toda a democracia é ferida.

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