PAULO DINIZ

Paulo e o lobo

No Brasil das últimas décadas, foram muitos os Pedros que gritaram contra os lobos da ditadura

Por Paulo Diniz
Publicado em 16 de agosto de 2022 | 05:00
 
 

Consta da fábula que Pedro era um garoto inconsequente: fingia estar sendo atacado por lobos e pedia socorro aos berros; os adultos de sua aldeia corriam desesperados para ajudar, apenas para descobrir que haviam sido enganados. A poderosa lição dessa historieta vem quando Pedro é comido por lobos, sem que ninguém levasse a sério seus gritos por ajuda. A validade do alerta havia perdido sua credibilidade devido ao uso deturpado e excessivo.

No Brasil das últimas décadas, foram muitos os Pedros que gritaram contra os lobos da ditadura. Com destaque para o PT, e sua notória dificuldade em renovar o discurso, a temática da ditadura foi uma constante, mesmo que muito distante dos contextos adequados. Vale lembrar a campanha presidencial de 2014, na qual a ditadura foi transformada em uma grife macabra, impressa em toda a propaganda de Dilma Rousseff.

Em meio aos gritos incessantes de tantos Pedros inconsequentes, a ditadura chegou, e pouca gente percebeu. Em 11 de agosto de 2022, o vice-governador de Minas Gerais, Paulo Brant, teve toda sua equipe exonerada sumariamente pelo governador Romeu Zema, em uma ação clara de cerceamento do exercício do mandato de um agente político eleito.

O “crime” cometido por Brant foi o de divergir em relação a Romeu Zema, seu partido e a forma como esses conduziram Minas Gerais nos últimos três anos e meio. Discordando sempre com polidez, Brant nunca deixou de justificar suas posições e, principalmente, de apontar saídas para o governo. Mas não há atenuante no universo autoritário de Zema: divergir – por si só – já é ofensa grave, e a punição veio sorrateira e violenta. Não há nenhum traço de democracia no comportamento do governador: nem sequer as aparências foram preservadas.

No momento posterior ao golpe de março de 1964, ações como a de Zema foram executadas em grande escala – exonerações e cerceamento de direitos políticos, motivadas pela divergência de visões ideológicas. No período entre 1964 e 1967, foram demitidos 1.530 servidores públicos civis e 1.228 militares pelos ditadores fardados. Com 23 exonerações em um dia, Zema se candidata a superar essa marca.

Perseguindo servidores e intimidando um político eleito, Zema se iguala – em ações e valores – a um ditador. Pouco importa a forma como chegou ao poder, mas sim a maneira como o exerce. Disfarçar a repressão autoritária com a máscara da legalidade pode servir para acalmar as consciências dos áulicos de plantão. Mas de forma alguma descaracteriza a intenção que motivou Zema: calar seu opositor, riscá-lo do mapa, pois conviver civilizadamente em discordância não é aceitável.

O caráter autoritário de Zema já podia ser visto em suas várias declarações agressivas direcionadas ao Legislativo; o que não podia ser dimensionado era o ímpeto do governador para se assumir publicamente como versão araxaense de Recep Erdogan.

Os lobos chegaram e já fizeram as primeiras vítimas. Enquanto ainda é possível, manifesto toda solidariedade ao vice-governador Paulo Brant e à sua equipe.