PAULO DINIZ

Terraplanismo gerencial

Gestores competentes e experientes passaram a encarar o ostracismo ou sobreviveram camuflando suas enormes capacidades de trabalho

Por Paulo Diniz Filho
Publicado em 07 de junho de 2022 | 04:00
 
 

Durante o segundo semestre de 2018, enquanto as campanhas eleitorais chegavam a temperaturas poucas vezes vistas no passado democrático nacional, tomei a iniciativa de fazer uso desse espaço para lançar propostas para todos os postulantes ao governo de Minas Gerais. Com o título pouco sutil de “Para o próximo governador”, foram publicadas sete colunas com sugestões inovadoras, simples e práticas, que poderiam ser implementadas pela gestão que teria início em janeiro de 2019.

A surpresa da vitória de Romeu Zema foi tão grande na área administrativa quanto foi na política. Instalou-se uma dinâmica de “terra arrasada”, na qual quaisquer propostas ou pessoas que guardassem identificação com as gestões anteriores eram consideradas integralmente erradas. Ideias de sucesso, surgidas em Minas e replicadas Brasil afora, foram para o fundo das gavetas; gestores competentes e experientes passaram a encarar o ostracismo ou sobreviveram camuflando suas enormes capacidades de trabalho.

Nesse ambiente de terraplanismo gerencial, cozinha-se um caldo composto de chavões populares de validade duvidosa, histórias pessoais de sucesso empresarial, slogans de autoajuda e frases soltas de economistas liberais do século XVIII. Usando os devidos filtros e edição, essa mistura se encaixa bem nas redes sociais – espaços de consumo veloz de informação e pouca reflexão. As áreas da gestão pública e privada são tão semelhantes quanto as modalidades de futebol de campo e de quadra; mas essa conversa, mesmo que interessante, não cabe nos curtos vídeos das plataformas sociais.

Desnecessário dizer que todas as sugestões apresentadas nessa coluna em 2018 foram ignoradas olimpicamente pelo atual governo – a despeito das credenciais científicas que lhes dão suporte. Mesmo assim, a democracia tem a beleza inquestionável de renovar as esperanças a cada nova temporada: portanto, cabem aqui sugestões para o próximo ocupante do governo mineiro.

O tema da vez são os micromunicípios – aqueles com população total inferior a cinco mil habitantes. Alvo de um injustificado mau humor por parte de gestores estaduais e federais, os micromunicípios são mais eficientes do que as cidades de maior porte em áreas de ação como saúde e educação – a pesquisa que o comprova é de fácil acesso, e de autoria desse colunista.

Seguindo essa “luz no fim do túnel”, é essencial propor a diferenciação qualitativa na forma com que são tratados os 240 micromunicípios mineiros. Não se trata, obrigatoriamente, de estabelecer benefícios seletivos, mas de praticar um desenho de políticas públicas que possa abarcar as especificidades dos micromunicípios – ao fazê-lo, Minas vai definir novamente um padrão inovador para a ação do Estado, assim como costumava fazer antes da “atual Idade Média”.

Ao planejar levando em conta as diferenças qualitativas entre cidades, o Estado mineiro apoiaria diretamente a melhoria da qualidade de vida de milhões de seus cidadãos. Para Kalil, Pestana e Viana, fica o recado: vale muito a pena tentar.