Paulo Paiva

Professor associado da Fundação Dom Cabral, Paulo Paiva escreve às sextas-feiras

Não deixem o Carnaval passar para não desmobilizar o povo

Publicado em: Qua, 14/02/18 - 02h00

O Carnaval toma conta das ruas; em algumas cidades, atravessando a Quarta-Feira de Cinzas, promete acabar somente após o primeiro domingo da Quaresma.

Esses são dias de alegria, descontração e divertimento, quando o povo dá uma pausa em sua labuta cotidiana. Imperam os sonhos e as fantasias. Quem é pobre vira rei, quem é homem vira mulher. Máscaras encobrem a identidade com graça e arte. Problemas do dia a dia, medo, dificuldades, desgostos, dores e dissabores são guardados até o Carnaval passar. Depois, volta-se à realidade da vida comum.

Carnaval é um ambiente propício para críticas à política e aos costumes. Em alguns períodos, como no Estado Novo, devido à censura, as marchinhas exaltavam Vargas. Nos períodos democráticos, como o de hoje, as críticas são mais ácidas, expressando o sentimento popular, sempre com graça e humor.

O ódio que, nos tempos atuais, domina as redes sociais e os embates entre grupos rivais deu lugar às críticas saudáveis dos blocos e dos foliões solitários nas ruas e praças. Mesmo os conflitos nas prisões entre facções criminosas parecem ter cessados nestes dias.

Observando as manifestações populares, vê-se o inconformismo da população com a falsidade dos políticos, com a corrupção generalizada, com os privilégios dos auxílios-moradia no Judiciário e com o desemprego. Mas, igualmente, as manifestações políticas apontam novos rumos no campo dos costumes. Florescem as denúncias contra a desigualdade e o assédio sexual e o clamor a favor da diversidade e da liberdade individual.

A reforma da Previdência, tema sensível, é motivo para protestos isolados. Nem parece que sua aprovação poderia cortar direitos adquiridos ou evitar o anunciado abismo fiscal.

Durante o Carnaval, a população se esquece de que, desde janeiro, não há ministro (ou ministra) do Trabalho e da Indústria e Comércio. Alguém sentiu suas faltas?

Durante o Carnaval, a campanha de Lula nos deu uma trégua. Estaria ele no sítio de Atibaia? E os outros candidatos, onde estão? Deram-nos, também, uma pausa. Estão todos aguardando o Carnaval passar.

Quem falou foi o chefe da Polícia Federal. Que feio! Disse e depois redisse que não havia dito que a denúncia contra Temer será arquivada. E um ministro do STF puxou-lhe as orelhas. No entanto, seu chefe, o ministro da Justiça, ficou calado. Parece Carnaval.

Mas, se o Carnaval passar, o presidente voltará para Brasília, o Congresso Nacional será reaberto, o STF voltará a soltar políticos. O país cairá em sua realidade de crises – política e moral – e dos estertores da crise econômica.

Se o Carnaval passar, a campanha eleitoral voltará, outros recursos para tentar salvar Lula surgirão.

Se o Carnaval passar, a reforma da Previdência será ou não votada?

Em seu livro “Política e Religiões no Carnaval”, Haroldo Barbosa nos conta que, em 1892, devido aos surtos de varíola e febre amarela no verão, uma decisão política transferiu o Carnaval para 26, 27 e 28 de junho, entre os dias de são João e são Pedro. Muita gente não gostou, e os dois Carnavais foram mantidos.

Será que neste ano o Carnaval não poderia ser estendido até 31 de dezembro? Assim, o povo continuaria mobilizado, dançando nas ruas, para não deixar que o combate à corrupção arrefeça e que sejam registrados no TSE pretendentes a cargo público com ficha suja; continuaria mobilizado, sambando nas ruas, para exigir dos candidatos que sobreviverem até outubro compromissos com uma agenda mais interessante, mais ética e mais justa. 

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