Paulo Paiva

Professor associado da Fundação Dom Cabral, Paulo Paiva escreve às sextas-feiras

O dragão domado

Publicado em: Sex, 15/03/19 - 03h00

Maria reclama para seu marido que a inflação está ficando alta, pois fechou o ano de 2017 em 2,95%, ano passado subiu para 3,75%, e agora, em fevereiro, foi para 3,89%. Onde vai parar isso, meu Deus! Exclama assustada. Tudo bem, pondera José, o marido cauteloso, mas está ainda abaixo de 4,25%, que é a meta do governo. Mas tenha atenção, ela poderá sair do controle, veja os países vizinhos, Venezuela e Argentina, retruca a esposa preocupada.

Essa pode ser uma conversa corriqueira hoje em dia no café da manhã de um jovem casal, cuja vida adulta iniciou-se neste século, não tendo ficado na sua memória as marcas do Brasil do século passado.

Desde os anos 50, o país não conhecia inflação anual menor do que 10%. No final dos 80, chegou a 805,8%, pouco depois, em 1993, foi a 2.567,3%, e, somente no mês de março de 1994, atingiu 42,8%, batendo o recorde anual de 3.417,4%!

Era a hiperinflação, um terrível imposto invisível comendo os salários dos trabalhadores indefesos e concentrando a renda nas mãos de uns poucos privilegiados, que se protegiam em aplicações financeiras, corrigidas monetariamente todos os dias.

Neste mês, o país comemora o 25º aniversário da mudança que domou a inflação e criou condições para a retomada do crescimento e a redução da desigualdade. Em março de 1994, no governo de Itamar Franco, sob a coordenação do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, foi lançada uma nova moeda, o real, cujo curso regular começaria em julho daquele ano para mudar a história da inflação.

Em vez dos pacotes anti-inflacionários anteriores, que surpreendiam a população e eram ineficazes, uma ideia criativa, que teve em seu bojo a transparência e a previsibilidade, fez a transição da moeda antiga, o cruzeiro real, para a nova moeda que ainda iria nascer, por intermédio de outra, virtual, a URV, servindo exclusivamente como padrão de valor monetário e corrigida diariamente pelo Banco Central. A partir de março de 1994, os salários, inclusive o mínimo, foram convertidos em URV, e os preços de bens e serviços ficaram denominados na moeda corrente (cruzeiro real) e em URV. O que parecia incompreensível tornou-se popular.

A inflação em URV caiu para zero. Em julho, a nova moeda (real) entrou em circulação. Com as medidas complementares seguintes, a inflação caminhou para os níveis que tem hoje.

O registro dos 25 anos da implantação do real não deve servir somente para comemorar o importante feito passado, mas também para acender uma luz de alerta que aponte os perigos no seu caminho. Estabilidade monetária, como democracia, se conquista a cada ato, a cada dia; não são obras feitas, mas processos em permanente construção.

As preocupações da Maria, em sua simplicidade, clamam pela preservação permanente da moeda, uma necessidade para a estabilidade, o crescimento e a equidade.

Governantes, prestem atenção nas Marias e nos Josés, não soltem o dragão.

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