Paulo Paiva

Professor associado da Fundação Dom Cabral, Paulo Paiva escreve às sextas-feiras

Reflexão

Pureza

Publicado em: Sex, 27/05/22 - 03h00

Em tempos sombrios, para os quais alguns insistem em retornar, Maurício Tapajós e Aldir Blanc compuseram “Querelas do Brasil”, que na voz de Elis Regina denunciava que “o Brasil não conhece o Brasil”. Pois é, o filme “Pureza”, de Renato Barbieri, em cartaz nos cinemas brasileiros clama “Brasil, SOS ao Brasil”, fazendo coro com Tapajós e Blanc.

Barbieri construiu sua livre interpretação, baseada em fatos reais, da saga de uma mãe, Pureza (Dira Paes), na procura de seu filho Abel (Matheus Abreu), que, abandonando sua casa para conseguir um trabalho melhor em uma carvoaria qualquer, sumiu, como tantos outros homens, na busca de trabalho, tornando-se prisioneiro em fazenda, dentro da floresta amazônica, no sul do Pará. Encontrar um novo emprego foi o sonho que restou àquele jovem que, até então, ajudava sua mãe na produção de tijolos. Tijolos para a construção da pouca esperança que restou àquela família pobre.

Pureza não é um nome fictício, mas, sim, a verdadeira identidade de Pureza Lopes Loyola, de Bacabal, no interior do Maranhão, que entregou sua vida, com amor, indignação e coragem, à procura do seu único filho; e conheceu e denunciou as condições sub-humanas do trabalho escravo no interior profundo deste país.

O trabalho análogo ao trabalho escravo não é um fenômeno tão distante no tempo, tampouco tão distante de Minas Gerais. Enquanto o filme é exibido nos cinemas de BH, na sede da Justiça Federal ainda estão sendo julgados os réus da chacina de Unaí, assassinos de três auditores do trabalho e de um motorista, no início deste século.

Com a força do realismo da violência no campo, o filme de Barbieri retrata a complexidade das relações sociais que ainda sobrevivem no Brasil. Trabalho escravo e devastação da floresta amazônica não são fenômenos independentes, mas conectados; formas concretas do capitalismo à moda brasileira, que permite, silenciosamente, a coexistência, embora não a dependência, da moderna tecnologia e da alta produtividade na produção agropecuária com as criminosas explorações humana e do meio ambiente.

Pureza também mostra que é possível eliminar essa chaga, se o Estado assumir integralmente sua responsabilidade, como ocorreu logo no início do governo FHC, com a criação do Grupo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf), por meio do Decreto 1.538/1995, assinado pelo presidente e por mim, então ministro do Trabalho. Política Pública abandonada nos atuais e tão estranhos tempos.

Pureza é um brado pela conquista da liberdade, dignidade e justiça. Direitos humanos não podem ser reservados apenas a alguns. Liberdade e equidade são para todos.

Nota. Neste mês de comemorações às mães, dedico esta coluna a todas as Purezas que lutam, anonimamente, para resgatar seus filhos da escravidão, da violência e da injustiça.

---

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo mineiro, profissional e de qualidade. Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar.

Siga O TEMPO no Facebook, no Twitter e no Instagram. Ajude a aumentar a nossa comunidade.