PAULO HADDAD

A economia política das transparências

Há, atualmente, no Brasil, quase 2.000 municípios que se caracterizam pelo baixo nível de desenvolvimento e de ritmo de crescimento econômico.

Por Da Redação
Publicado em 26 de março de 2020 | 03:00
 
 

A necessidade de enfrentar as mazelas socioeconômicas da atual pandemia coloca em questão a fragilidade financeira das famílias e dos municípios mais pobres do país. Eles se encontram desprovidos de instrumentos econômicos e mecanismos institucionais para a defesa da vida humana. Há, atualmente, no Brasil, quase 2.000 municípios que se caracterizam pelo baixo nível de desenvolvimento e de ritmo de crescimento econômico. O seu PIB per capita é inferior a 30% do brasileiro, e a sua taxa de crescimento é próxima de zero ou, eventualmente, até mesmo negativa.

Onde estão esses municípios economicamente deprimidos? Eles se concentram predominantemente no Nordeste (particularmente, no Agreste e no Sertão) onde ainda vislumbram algumas ilhas de prosperidade, assim como em áreas pontilhadas nos Estados do Pará, de Minas Gerais (no Leste e no Norte), no leste de Tocantins. É importante destacar que há um elemento comum em quase todos esses municípios: eles se encontram em áreas geográficas onde ocorreu, desde o período colonial, um intenso processo de uso predatório de seus ecossistemas, reduzindo drasticamente a produtividade dos recursos naturais dos municípios, ou seja, a destruição de seu capital natural.

Como sobrevivem as populações desses municípios? Porque os seus indicadores sociais e econômicos não se assemelham aos dos países mais pobres da África? Uma hipótese plausível é a de que esses municípios estão sobrevivendo à custa de transferências que são extraídas a partir do excedente econômico gerado nos municípios mais prósperos do país. Essas transferências se manifestam, ao nível da renda das famílias, através da aposentadoria rural, do Bolsa Família, dos benefícios continuados da Lei Orgânica de Assistência Social etc. Ao nível das finanças públicas municipais, a maior parcela dos seus Orçamentos resulta das transferências do Fundo de Participação dos Municípios, dos Fundos de Educação e de Saúde etc., que priorizam a alocação de recursos nos municípios mais pobres.

Se, por alguma motivação politicamente perversa, fossem fechadas as comportas desses mecanismos de transmissão de benefícios compensatórios, provavelmente teríamos a formação das nossas Somálias e das nossas Ganas nessas áreas economicamente deprimidas. Basta lembrar que, de 1991 a 2000, logo após a implantação das políticas sociais compensatórias previstas na Constituição de 1988, enquanto o PIB per capita do Brasil cresceu a uma taxa anual de 1,39% e a renda per capita cresceu 2,88% ao ano, o crescimento das transferências per capita foi de 6,90% ao ano.

Para se evitar a formação de um Brasil que viva, crescente e permanentemente, de mesadas transferidas de sua parte mais desenvolvida, é preciso que se estruture, nos municípios economicamente deprimidos, um processo endógeno de ativação e canalização de suas forças sociais, de melhoria da capacidade associativa e de exercício da iniciativa criativa. É fundamental que as comunidades locais se organizem e mobilizem seus recursos latentes, vencendo o seu estado de apatia, de inércia e de conformismo. Como muitas dessas comunidades não dispõem de recursos de mobilização e de familiaridade com modelos de ação coletiva organizada, o seu envolvimento terá de ser mais induzido por políticas públicas.