PAULO HADDAD

A fragmentação do conhecimento

Uma má ideia é a de transformar uma condição necessária para se atingir um objetivo em condição necessária e suficiente

Por Da Redação
Publicado em 13 de fevereiro de 2020 | 03:00
 
 

A primeira regra do processo de planejamento para a superação de uma crise econômica é definir quais os problemas socioeconômicos e socioambientais que precisam ser resolvidos. A partir dessa delimitação vão se delineando as políticas, os programas e os projetos que são prioritários para o equacionamento dos problemas no médio e no longo prazo.

Mas, para definir a trajetória histórica a ser construída pelo processo de planejamento, as ideias são imprescindíveis para dar substância, a fim de que metas e objetivos sejam conquistados. Elas são a base inicial para a concepção e a implementação das políticas públicas.

Como diz o cientista político Mark Blyth, as ideias, tomadas como parte de uma sequência geral de mudança institucional, reduzem incertezas, atuam como recursos para a construção de coalizões, empoderam protagonistas para contestar as instituições existentes, atuam como recursos na construção de novas instituições e, finalmente, coordenam as expectativas dos agentes, reproduzindo, portanto, estabilidade institucional.

Mas há boas e más ideias em todo processo de planejamento. Uma má ideia é a de transformar uma condição necessária para se atingir um objetivo em condição necessária e suficiente. Como, por exemplo, a de considerar que, concentrando-se os principais recursos políticos e institucionais da gestão pública no equilíbrio fiscal e financeiro, a retomada do crescimento econômico virá por acréscimo pelas livres forças de mercado. A origem dessa narrativa está no que pode se denominar a fragmentação do conhecimento do pensamento econômico.

Alessandro Roncaglia, professor de economia da Universidade de Roma, caracteriza os últimos 50 anos como um período de fragmentação da teoria econômica. As pesquisas econômicas se ramificaram em diferentes direções, e os seus próprios fundamentos sofreram ampla diversificação. Para ele, essa era de fragmentação levou a uma intensa divisão de trabalho entre grupos de economistas substancialmente autônomos, que muitas vezes ignoram ou de qualquer modo não levam em conta como estão evoluindo as outras áreas do conhecimento científico, gerando a formação de especialistas em temas específicos.

Ortega y Gasset, considerado por muitos o maior filósofo espanhol do século XX, definia o especialista como alguém que sabe cada vez mais de cada vez menos, alguém que se ocupa profissionalmente de um ramo particular de uma ciência. Muitos especialistas não se preocupam com a diversidade das diferentes abordagens sobre os mesmos problemas, sobre a própria diversidade desses problemas ou como a economia tem muito que aprender com as outras ciências sociais.

A especialização em determinada escola de pensamento econômico pode levar a que alguns economistas, tomando decisões de política econômica de curto prazo, numa sociedade multifacetada e complexa, venham a fazer afirmativas equivocadas do ponto de vista teórico e ingênuas do ponto de vista histórico sobre relevantes questões dos processos de desenvolvimento sustentável da sociedade.

Nesse contexto, a economia tem sido acusada de ser simplista e insular, ao desconhecer o progresso das demais ciências sociais, e de estar constantemente pronta para racionalizar os interesses utilitários dos grupos dominantes no sistema político.