Paulo R. Haddad

Professor emérito da UFMG e escreve às segundas-feiras em O Tempo

As políticas sociais

Publicado em: Qui, 15/10/20 - 03h00

A pandemia do coronavírus colocou a crise social que o país vem enfrentando de forma mais intensa no cenário político nos últimos anos. Essa crise já vinha se agravando desde 2014, quando se iniciou a recessão econômica, que, até 2018, havia jogado na miséria social mais de 4,5 milhões de brasileiros. Independentemente das agendas da política econômica e das reformas institucionais que vêm concentrando a atenção do governo federal, a questão social tornou-se avassaladora e inquestionável como prioridade de política pública para a sociedade brasileira. 

Coloca-se, assim, em primeiro plano, a reformulação das políticas sociais que deverão ser mais intensas, mais efetivas e mais eficazes. Deixar de enfrentar a crise social brasileira com determinação política, numa atitude de complacência neomalthusiana, é abrir espaço para o avanço da fome entre os pobres e os miseráveis.

Como alertou Keynes, em 1919, numa crítica aos impactos socioeconômicos do Tratado de Versalhes em países da Europa no pós-Primeira Guerra Mundial: “Os homens não morrem sempre em silêncio, uma vez que a fome traz uma certa letargia e um desespero desamparado, mas leva outros temperamentos a uma instabilidade nervosa de histeria enlouquecedora”.

Quando um país passa por um longo período histórico em que as desigualdades sociais vão se acumulando, a pobreza se configura e se reproduz em patamares diferenciados por dramaticidade crescente, com diversas denominações: a pobreza extrema ou miséria, a pobreza absoluta, a pobreza relativa das classes D e E etc. Para a atenuação ou a erradicação de cada tipo de pobreza, há uma política pública que se apresenta mais adequada. Para os miseráveis, sem teto, sem renda, sem riqueza e sem oportunidades, por exemplo, não há como, no curto prazo, deixar de priorizar a política pública com forte intensidade em ações de assistência social e com o apoio dos movimentos sociais de solidariedade humana. 

Entretanto, para a maioria dos brasileiros que se encontra em algum patamar de pobreza, a política mais apropriada é a de transferências de renda, com maior ou menor nível de condicionalidade dos beneficiários quanto à responsabilidade social da educação dos filhos, da saúde das famílias etc. A experiência recente do auxílio emergencial deixou algumas lições: o valor da renda a ser transferida deve ter como referência as necessidades básicas das famílias; o cadastro dos beneficiários deve ser controlado com absoluto rigor; a gestão operacional das transferências de renda deve ser desburocratizada; o valor total a ser transferido deve considerar a integração dos diversos programas de compensação social dos três níveis de governo etc.

O grande problema é o financiamento do programa. Winston Churchill dizia que os sonhos dos planejadores morrem no orçamento. Mas dizia também que, quando mudam as prioridades de uma sociedade, é preciso reprogramar os orçamentos. Com as atuais regras de formação dos orçamentos no Brasil, há inúmeras despesas repetitivas ou sobrepostas, funções programáticas obsoletas ou baseadas em interesses velados, projetos e atividades socialmente inúteis ou supérfluos. Uma reprogramação orçamentária é necessária para abrir espaço para a prioridade das prioridades neste momento: a preservação de uma vida digna para os brasileiros que ficaram à margem da prosperidade econômica e do progresso social no Brasil.

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