Paulo R. Haddad

Professor emérito da UFMG e escreve às segundas-feiras em O Tempo

As vocações definidas das regiões de Minas Gerais

Publicado em: Sex, 24/08/18 - 03h00

O budismo nos ensina que não há nada mais democrático do que o sol, pois, quando o sol se levanta, ilumina igualmente todas as regiões. Quando se observa o fenômeno da formação histórica dos desequilíbrios regionais de desenvolvimento socioeconômico e socioambiental em Minas Gerais, onde o PIB per capita do Vale do Jequitinhonha e do Vale do Mucuri chega a ser cerca de quatro vezes menor do que o PIB per capita do Triângulo Mineiro e do Alto Paranaíba, ficam as indagações: como uma região se desenvolve ao longo do tempo? Por que algumas regiões têm sucesso e outras fracassam em suas tentativas de escapar das entranhas da pobreza e do subdesenvolvimento?

Economistas da Escola de Governo da Universidade de Harvard desenvolveram o conceito de “autodescoberta” para identificar quais atividades econômicas podem ser mais apropriadas para a promoção do desenvolvimento de um país ou de uma região. Segundo esse conceito, o processo de desenvolvimento de uma região depende de suas raízes históricas e culturais, tendendo a fracassar se o que fazer e como fazer para promover esse processo for definido exogenamente, por meio de decisões estratégicas tomadas de fora para dentro da realidade regional.

Assim, é fundamental que esse processo se baseie em vocações definidas de cada região, construídas ao longo de sua história, e não apenas na imaginação de tecnocratas fascinados pela moda mais recente das últimas inovações tecnológicas. Para aqueles economistas de Harvard, o desenvolvimento depende, além do progresso tecnológico e das instituições de um país ou de uma região, de as pessoas apreenderem e descobrirem em que são boas para que possam produzir com confiança e confiabilidade determinados bens e serviços.

É sempre possível que um grande projeto de investimento, visando a aproveitar um valioso recurso natural de uma região (minério de ferro, petróleo, reservas florestais, bacias hidrográficas etc.), possa induzir um processo de crescimento em uma região. O PIB cresce, a massa salarial cresce, e a base tributável também se expande. Mas a região não se desenvolve. A tendência é o grande projeto de investimentos se transformar em um “enclave econômico”.

O processo de desenvolvimento sustentável de uma região, que pressupõe seu crescimento econômico, dependerá, fundamentalmente, segundo S. Boisier, do Ilpes/ONU, de sua capacidade de organização social e política, associada ao aumento da autonomia local para a tomada de decisões, ao aumento da capacidade para reter e reinvestir o excedente econômico gerado pelo processo permanente de conservação e preservação do ecossistema regional. Essa capacidade de organização social da região é o fator endógeno por excelência para transformar o crescimento em desenvolvimento, por meio de uma complexa malha de instituições e de agentes de desenvolvimento, articulados por uma cultura regional e por um projeto político local.

Minas é uma unidade da Federação que apresenta uma intensa diversidade socioeconômica e socioambiental entre suas regiões. Essas regiões estão distribuídas em três biomas – Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga –, com trajetórias históricas de assentamento humano multifacetadas e que se diferenciam quanto às formas de sua integração nacional e a suas estruturas produtivas. Todas têm chance de serem igualmente iluminadas pelos benefícios do progresso econômico e social, dependendo de que haja a “autodescoberta” de suas vocações definidas, ou seja, o que têm de melhor a oferecer endogenamente, em termos de realização pessoal e profissional de seus habitantes.

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