PAULO HADDAD

Desigualdades sociais: perspectivas

Hoje temos quase 24 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, equivalente a 11,2% da nossa população

Por Da Redação
Publicado em 01 de abril de 2019 | 03:00
 
 
Cristiano Trad

Qual foi o impacto da crise econômica de 2014 a 2018 sobre as desigualdades sociais no Brasil? O Centro de Políticas Sociais da FGV divulgou, em setembro do ano passado, um relatório que procura responder a essa questão. Os números são preocupantes.

Hoje temos quase 24 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, equivalente a 11,2% da nossa população, com um aumento de 33% entre o final de 2014 e o final de 2017, o que significa um número absoluto maior do que a população total do Chile. A miséria aumentou nos últimos quatro anos: são 6,3 milhões de novos pobres. Durante a crise de 2014 a 2018, o Brasil tornou-se uma economia recessiva em termos de crescimento, excludente em termos de desigualdades sociais e politicamente complacente com o avanço da miséria e do mal-estar social.

O que esperar da nova administração do governo federal quanto à sua capacidade de mitigar essas mazelas socioeconômicas? Os problemas de desigualdades sociais de uma economia têm melhores condições de serem equacionados num ambiente de crescimento econômico, desde que se adote um modelo de desenvolvimento sustentável, fundamentado na tríplice integração da competitividade, da sustentabilidade e da equidade.

Infelizmente, não há uma perspectiva favorável no horizonte de curto prazo para a expansão da renda e do emprego na economia brasileira. A atual equipe econômica tem apresentado uma proposta questionável sobre a retomada do crescimento, qual seja: aprovada a reforma previdenciária, consumidores e empreendedores vão dinamizar os mercados e os negócios, e a demora da retomada é porque “o melhor ainda está por vir”.

A reforma da Previdência é uma questão crítica ligada à insolvência financeira do país e, uma vez aprovada, não tem, por si só, o poder de alavancar um processo de desenvolvimento, com base somente na eventual reversão de expectativas dos agentes econômicos. Há algumas ações programáticas, que podem ser desencadeadas pela atual administração federal, que terão o poder de mitigar as assimetrias sociais entre os brasileiros.

Em primeiro lugar, o governo federal pode consolidar as melhores práticas das políticas sociais compensatórias (Bolsa Família, Lei Orgânica de Assistência Social, Previdência Rural) que, ao transferir renda para as famílias mais pobres, evitaram que a pobreza no Brasil assumisse um recorte de padrão africano.

Em segundo lugar, é possível realizar mudanças infraconstitucionais no sistema tributário nacional, no qual há distorções que aprofundam as desigualdades sociais no país. Entre essas distorções, destaca-se que a carga tributária líquida é bem maior para os mais pobres do que para os mais ricos.

Finalmente, é indispensável reforçar, na estrutura de gastos públicos, as despesas de custeio e de investimentos, que impactam diretamente a qualidade de vida dos mais pobres, dando-lhes uma renda indireta e maior bem-estar social sustentável.

Essas e outras ações programáticas compõem estratégias de mitigação que estão politicamente ao alcance do Poder Público. A sua implementação nos lembra de que, numa sociedade dividida de forma abissal pela renda e pela riqueza, frequentemente um pouco dos que têm muito pode significar muito para os que têm pouco.