Paulo R. Haddad

Professor emérito da UFMG e escreve às segundas-feiras em O Tempo

Existe saída para a crise econômica brasileira no curto prazo?

Publicado em: Sex, 17/08/18 - 03h00

É possível encontrar uma saída para a atual crise econômica brasileira no curto prazo, enquanto não são implementadas as inadiáveis reformas econômicas e político-institucionais? Keynes dizia que os economistas podem ter uma vida mais fácil se, no meio de uma tempestade em alto-mar, se limitarem a afirmar que, se uma nova rota for adotada, poderemos navegar num oceano mais tranquilo. O paradoxo está em que uma mudança de rumo pode envolver período de longa maturação e “no longo prazo estaremos todos mortos”.

Não se pode afirmar que não há saída no curto prazo para a atual crise, com todas as suas mazelas sociais. Podemos nos espelhar nas experiências de diversos países, inclusive da crise mais recente, de 2008, a mais deletéria desde a depressão econômica de 1929.

Em 2017, as empresas e as famílias brasileiras pagaram R$ 475 bilhões em juros, uma alta de 12% acima da inflação em relação ao ano de 2016. Desse total, as famílias pagaram R$ 355 bilhões, alta de 18% em relação a 2016. As parcelas maiores e crescentes desses valores vão para os detentores da riqueza financeira, ampliando ainda mais as desigualdades sociais na distribuição de renda no Brasil. Esses valores representam uma despesa pública mais de 12 vezes superior ao gasto anual com o Bolsa Família, que beneficia atualmente cerca de 13 milhões de famílias.

Durante as recessões econômicas, em inúmeros países, as taxas de juros tendem a cair significativamente. Na crise de 2008, em muitos as taxas nominais de juros ficaram, durante alguns anos, próximas de zero. No Brasil, embora a taxa básica de juros do Banco Central tenha caído sensivelmente, as taxas bancárias do sistema financeiro oligopolizado, cobradas sobre as dívidas das pequenas e médias empresas e das famílias, constituem uma verdadeira aberração, um grande mal-estar econômico. Até mesmo os programas de parcelamento dessas dívidas são inócuos, semelhantes ao tratamento de uma pneumonia aguda com o uso de aspirina.

Em julho deste ano, 60% das famílias brasileiras estavam endividadas, 24% com dívidas ou contas em atraso e 10% sem condições de pagar. Muitas dessas famílias estão presas numa armadilha, tendo que se endividar para pagar até mesmo os juros da dívida contratada. Se houver uma sensível redução dos juros sobre as dívidas contratadas e sobre os novos empréstimos por meio de novas linhas de refinanciamento, segundo estudos realizados nos EUA (por exemplo: A. Mian and A. Sufi, “House of Debt”, Chicago), cresce a renda disponível de devedores com elevada propensão a consumir, a qual, numa economia com altos índices de desemprego e de capacidade ociosa, pode ter um efeito multiplicador em torno de 3,5 a 4,5 sobre a geração da renda nacional. Em outras palavras, se for “devolvida” pela política monetária uma renda em torno de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões às empresas e às famílias, é possível que a demanda agregada possa se elevar de R$ 400 bilhões a R$ 500 bilhões, progressivamente, ao longo dos meses seguintes. 

Um economista australiano, John Quiggin, criou a expressão “economia zumbi” para designar ideias econômicas que não morrem, apesar de desaprovadas repetidamente em diferentes contextos históricos. Muitas delas estão presentes no Brasil, pois, como disse Millôr Fernandes, quando as ideologias envelhecem, elas vêm morar no Brasil. Espera-se do Banco Central (BC), à semelhança do Federal Reserve (o BC dos EUA), um processo de renovação de ideias e uma atitude proativa da política monetária para tirar as empresas e as famílias da armadilha do endividamento, facilitando a retomada do crescimento econômico do país pela expansão não inflacionária da demanda agregada.

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