PAULO HADDAD

Expectativa, otimismo e a síndrome de Brás Cubas

Decisões estão impregnadas de incertezas, expectativas e riscos

Por Da Redação
Publicado em 24 de fevereiro de 2018 | 03:00
 
 
DUKE

As principais decisões econômicas que tomamos ao longo do tempo estão impregnadas de incertezas, expectativas e riscos. Adquirir um imóvel, realizar um investimento financeiro em ações, escolher uma carreira profissional, investir na construção de uma nova indústria ou na modernização de uma já existente, tudo isso implica uma imersão no tempo futuro. Implica, ainda, tornar inflexíveis ou quase irreversíveis os recursos e o tempo de que vamos dispor no futuro. Enfim, comprometem-se, hoje, os graus de liberdade sobre o que poderá ser realizado amanhã.

Até o início dos anos 70, as teorias dos economistas baseavam-se no que se denominava de “expectativas adaptativas”. Uma abordagem que pressupõe que as pessoas formam suas expectativas com base nos valores observados até recentemente no comportamento das variáveis econômicas. O futuro era praticamente uma reprodução das expectativas passadas, com alguma correção na margem.

Nas últimas décadas, tem prevalecido o que se denomina de “expectativas racionais”. Uma abordagem que pressupõe que as pessoas, para tomar decisões sobre o futuro, utilizam o máximo de informações disponíveis, incluindo aquelas sobre a direção dos resultados das políticas econômicas atuais e previstas. Diz-se, então, que as expectativas do que pode ocorrer amanhã já estão sendo precificadas hoje.

A tendência das principais variáveis da economia normalmente não é linear. Há sempre inflexões, rupturas e descontinuidades em muitas dessas variáveis em função da conjuntura da economia global, das perspectivas políticas internas, do “espírito animal” dos empreendedores quanto a seus investimentos diretamente produtivos, das armadilhas da liquidez que levam empresários e consumidores à preferência pela aplicação financeira diante de incertezas etc. Todas essas linearidades amplificam as incertezas nos processos decisórios.

Entretanto, em 1936, Keynes já dizia que o estado da expectativa em longo prazo, que serve de base para nossas decisões, não depende exclusivamente do prognóstico mais provável que possamos formular. Depende, também, da confiança com a qual fazemos esse prognóstico.

A observação prática dos mercados e da psicologia dos negócios, a partir de diferentes experiências históricas dos ciclos econômicos em diversos países, nos permite delimitar duas situações extremas sobre o estado de confiança no futuro: a de otimismo ingênuo e a do pessimismo dramático. O otimista ingênuo é aquele que, num ambiente de crise estrutural, vê em algum crescimento econômico, ainda que pífio, um indicativo do início de um novo ciclo de expansão da economia. Como dizia Pangloss, na obra “Candide ou L’optimisme”, de Voltaire, “tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis”, até que chega a desilusão.

Já o pessimista dramático, que não vê saída ou alternativa para uma crise quando ela se aprofunda e se embaraça, lembra a figura de Brás Cubas no livro clássico de Machado de Assis: “Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que sai quite com a vida. E imaginará mal, porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas. Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.

Não se pode querer viver num paraíso edênico nem num inferno dantesco ao se projetarem as perspectivas futuras de variáveis que importam para a vida econômica de cada um de nós. Temos que desenvolver nossa capacidade de demonstrar a realidade da maneira mais verossímil possível, sem desalento e sem ufanismo.