Paulo R. Haddad

Professor emérito da UFMG e escreve às segundas-feiras em O Tempo

Medo do futuro

Publicado em: Ter, 29/12/20 - 23h09
Uma política econômica ou um plano de governo é elaborado para estruturar e promover as expectativas, as aspirações e os projetos de vida relacionados com o futuro do país, da sociedade e das famílias. O país não pode ser complacente com uma sequência de políticas econômicas equivocadas que vem desconstruindo seus ciclos de prosperidade, apesar de dispor das condições necessárias e suficientes para alavancar um processo de crescimento
econômico sustentado e, a longo prazo, proporcionar aos brasileiros o padrão de vida dos cidadãos de países como a Espanha e a Itália.
 
Jean Bernard, professor de Economia da Universidade Paris 1 Panthéon–Sorbonne, sugere que, como para os males de uma mesma economia pode haver muitas receitas, ao se formular uma política econômica nacional, deve-se construir uma matriz das preferências dos diferentes grupos sociais quanto às prioridades que atribuem aos valores do crescimento econômico, da
justiça social e da sustentabilidade ambiental implícitos nas diferentes políticas.
 
É evidente que, na definição das preferências por essas políticas, cada grupo irá dar prioridade para os seus interesses de classe, sendo que, num regime democrático, deverá prevalecer a
combinação de políticas resultantes de coalisões, de alianças e de pactos entre interesses diferenciados, mas convergentes.
 
Assim, enquanto os trabalhadores sindicalizados tendem a priorizar políticas de crescimento, como o combate ao desemprego associado a políticas salariais com indexação anti-
inflacionária, os grupos de rentistas, cujos interesses estão representados nos mercados financeiros, têm uma preferência revelada por políticas de equilíbrio fiscal, a fim de que o maior
devedor da economia (o governo) possa honrar seus compromissos financeiros sem riscos de inadimplência institucional.
 
É evidente que cada grupo social irá dar à sua concepção de política econômica as devidas justificativas ou racionalizações, visando a demonstrar que ela não provoca efeitos não
esperados ou colaterais adversos sobre os demais objetivos da sociedade. São afirmativas tais como: que políticas salariais mais flexíveis não são indutoras de aceleração inflacionária; que a
austeridade fiscal não provoca recessão econômica, podendo ser até mesmo expansionista; etc.
 
Quando a política econômica se baseia em pressupostos inadequados e contraditórios, desacertos e inconformidades emergem de forma recorrente ao longo de sua implementação.
 
É o caso do atual modelo de equilíbrio fiscal expansionista, que vem transformando o governo federal num multiplicador de incertezas e num mercador de ilusões quanto à retomada do crescimento econômico. 
 
Para muitos analistas, é pouco provável que, em uma recessão econômica, cortes nas despesas públicas e aumentos nos impostos sejam capazes de promover a retomada do crescimento através da melhoria no ambiente de confiança, em tempo suficiente para evitar
novas crises econômicas e sociais.
 
Aparentemente, quando se observam alguns indicadores macroeconômicos favoráveis, tem-se a impressão de que tudo vai indo bem, até que um dia percebemos que estamos envoltos num
inexorável processo de decadência, que nos faz lembrar Alice: “Ficou ali sentada, os olhos fechados, e quase acreditou estar no País das Maravilhas, embora soubesse que bastaria abri-
los e tudo se transformaria em insípida realidade”.

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