Paulo R. Haddad

Professor emérito da UFMG e escreve às segundas-feiras em O Tempo

O estilo do capitalismo brasileiro está sendo colocado em questão

Publicado em: Sex, 12/10/18 - 03h00

Desde que as experiências das economias socialistas entraram em processo de decadência e de fracasso, tendo como marco de referência a queda do Muro de Berlim, as atenções dos analistas passaram a se concentrar na avaliação dos diferentes estilos do capitalismo. Embora sua característica fundamental seja a propriedade privada dos meios de produção, o capitalismo pode assumir diversas configurações e experiências históricas quanto aos limites do que é público e do que é privado, ao grau de intervenção do Estado na formação do que se produz e para quem se produz, à qualidade dos empreendedores em sua maior ou menor propensão ao rentismo financeiro ou ao progresso tecnológico etc.

Admite-se que as estruturas e os mecanismos que compõem um sistema econômico desempenham três grandes funções. Ajudam a determinar o centro do processo de decisão, ou seja, quem efetivamente tomará decisões que vão mobilizar recursos escassos de usos alternativos. Coordenam as atividades de unidades econômicas individuais, garantindo consistência interna às diferentes decisões de alocação de recursos. E, finalmente, colocam em ação as escalas de prioridade dos vários agentes de decisão, colaborando para a determinação de quais decisões serão efetivamente implementadas.

No caso brasileiro, pode-se avaliar que a experiência histórica do capitalismo apresenta três características controversas, as quais permitem classificá-lo como economicamente tradicional, socialmente excludente e politicamente conformista.

No capitalismo tradicional, há uma tendência das empresas em transferir decisões estratégicas em relação a seu futuro para o governo. Para compensar a falta de competitividade empresarial, confronta-se a ameaça de uma concorrência do exterior ou de uma queda na demanda de mercado, recorrendo-se ao protecionismo econômico e à incessante busca por subsídios financeiros e incentivos fiscais. Assim, são comprometidos crescentemente os escassos recursos orçamentários com centenas de bilhões de reais para apoiar as atitudes defensivas e o baixo nível de inovações científicas e tecnológicas do empresariado.

O capitalismo no Brasil vem, desde o período escravocrata, se caracterizando como um caso histórico de desigualdade social extrema. A renda média de 1% de brasileiros mais ricos era, em 2016, 102 vezes maior do que a renda média da parcela mais pobre. Na Europa, essa razão era de 29 vezes nas economias de mercado. Os pesquisadores do Insper utilizam a expressão “loteria da vida” para ilustrar que, como nossa mobilidade social e econômica é baixa, o sucesso das pessoas na vida é basicamente determinado no momento do nascimento por fatores como renda, cor da pele, região e nível de educação dos pais.

Finalmente, mesmo quando se acumulam distorções econômicas, mazelas sociais e falências institucionais num ciclo das reformas de base de uma geração, como ocorreu a partir da Constituição de 1988, as novas gerações que concentram os benefícios e os privilégios resultantes daquelas reformas acabam se tornando conformistas e resistem a promover as mudanças indispensáveis utilizando seu poder político.

Enfim, estamos numa sociedade onde se torna inadiável haver uma renovação de ideias e de experiências, um rejuvenescimento do capitalismo com a emergência de uma geração de empreendedores inovadores e uma grande transformação na distribuição da renda e da riqueza nacional que se acumula, sem a necessidade do lamento melancólico e da complacência dos que vão nos suceder

 

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