Paulo R. Haddad

Professor emérito da UFMG e escreve às segundas-feiras em O Tempo

O princípio de Pollyana e o atual crescimento da economia brasileira

Publicado em: Sáb, 18/11/17 - 02h00

“Pollyanna” é um clássico da literatura infantojuvenil, escrito e popularizado a partir de 1913. Pollyanna gostava de praticar um jogo que consistia em extrair algo de positivo mesmo nas coisas mais desagradáveis ou desfavoráveis. Na psicologia social, essa atitude recebeu a denominação de “princípio de Pollyanna” para designar atitudes ingênuas diante de situações dramáticas, sofridas ou até mesmo catastróficas.

A preferência, ao se formular e implementar uma política econômica para um país em crise, deveria ser a de um comportamento de “otimismo trágico”, segundo o qual “espera-se que certo otimismo com relação a nosso futuro possa fluir das lições de nosso trágico passado”.

Como dizia Pollyanna, em tudo há sempre algo capaz de nos dar contentamento, a questão é descobri-la. No atual contexto da economia brasileira, não é difícil descobrir coisas que nos tragam alegria. A taxa de inflação está muito baixa para os padrões históricos do Brasil. O mercado de trabalho dá sinais de recuperação. O PIB volta a crescer lentamente com indicativos positivos de aceleração nos próximos dois anos. Houve rápida queda na taxa Selic de 14,2% para 7,0%. A balança comercial tem apresentado superávits expressivos e crescentes.

Na verdade, a economia brasileira vai bem, mas está mal. As marcas da crise econômica dos últimos anos são mais profundas e duradouras do que aquelas provocadas pela crise de 1929, e sua assepsia passa por radicais reformas econômicas e político-institucionais.

Qualquer analista da economia brasileira precisa ser muito conformista para afirmar que a atual situação do país é satisfatória. São 13 milhões de desempregados que, somados aos subempregados e aos desalentados, chegam a quase 25 milhões de brasileiros. A taxa de juros real está em torno de 5% e ainda é uma das maiores do mundo, estimulando a especulação financeira dos rentistas e desestimulando os investimentos diretamente produtivos. De corte em corte dos gastos públicos, reduzem-se a quantidade e a qualidade dos serviços públicos essenciais para os mais pobres e desestruturam-se as políticas governamentais que buscam maior competitividade sistêmica das atividades econômicas, a preservação e a reabilitação dos ecossistemas e ações de natureza socialmente compensatória. A taxa de crescimento do PIB potencial é provavelmente inferior a 2%, o que significa um crescimento per capita quase nulo. São alguns dos indicadores de que a situação econômica e a situação socioambiental não estão bem, apesar do esforço dos ajustes que vêm sendo realizados com sucesso no último ano.

Os ganhos de crescimento configurados recentemente são de natureza transitória e espasmódica, resultantes da queda da taxa de juros, do aumento do poder aquisitivo da massa salarial com a bem-sucedida desinflação e da ampla disponibilidade de capacidade ociosa na economia. Não se pode confundir com o início de um novo ciclo de expansão, como ocorreu nos anos JK ou nos anos do “milagre econômico”, quando a economia crescia de forma sustentada três a quatro vezes mais rápido do que a taxa de crescimento demográfico.

Um ciclo de expansão não é apenas um subproduto cronológico do equilíbrio fiscal. Num ambiente de incertezas políticas e econômicas sobre as indispensáveis mudanças estruturais e de reformas inacabadas, é necessário que o Estado coordene as ações descentralizadas dos agentes econômicos numa verdadeira complementaridade de estratégias, de expectativas e de antecipações por meio do desencadeamento de um novo “motor de desenvolvimento”. Como, por exemplo, por meio da promoção de um amplo programa de investimentos privados visando à eliminação de pontos de estrangulamento, numa nova matriz energética e na modernização da logística de transporte e de comunicação do país.

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