Paulo R. Haddad

Professor emérito da UFMG e escreve às segundas-feiras em O Tempo

Os três choques assimétricos da atual política econômica

Publicado em: Sex, 21/09/18 - 03h00

Os economistas não podem desconhecer os efeitos inesperados ou os efeitos colaterais adversos de suas decisões na política econômica. Trata-se de efeitos não vislumbrados quando da formulação da política econômica, que emergem quando de sua implementação. São semelhantes a qualquer tipo de efeito indesejado no organismo relativo às substâncias contidas num medicamento, paralelas às que são desejadas ou esperadas pelo fármaco. Semelhantes também ao aprendiz de feiticeiro que desencadeia forças que não consegue controlar.

A economia não é uma ciência exata como a física. As proposições de política econômica não têm um caráter de precisão e de eficiência que permitam aos economistas falar sobre os resultados esperados com um otimismo sem salvaguardas protetoras. Essas proposições são sempre condicionais e historicamente contextualizadas. Por isso, é sempre recomendável que, na concepção das políticas econômicas, as normas de eficiência sejam substituídas por normas de confiabilidade, as quais se orientam mais para evitar o fracasso do que para garantir um sucesso. Isso porque, como diz Karl Popper, há o risco que representa o “hybris” daqueles que, ao tentarem realizar o céu na Terra, são seduzidos a transformar a Terra num inferno; vale dizer, a confiança excessiva, o orgulho exagerado ou arrogância intelectual podem levar ao fracasso.

A grande promessa da doutrina da austeridade fiscal expansionista está na proposição de que o reequilíbrio das contas públicas leva a maior confiança e, certamente, à expansão econômica e à retomada do crescimento. Alguém duvida?

A questão é que o tempo não para enquanto a política econômica vai liberando suas decisões míticas: corte os ganhos governamentais, aumente taxas e impostos, venda o patrimônio público, e o crescimento econômico virá por acréscimo! Assim são liberadas forças que geram efeitos inesperados. Instrumentos que se apresentam como eficientes para resolver determinado problema podem se tornar fonte de agravamento de outros problemas. As ações programáticas podem apresentar sequenciamentos inadequados, cadências desritmadas e intensidades insuficientes. A economia não tem o conhecimento da engenharia para garantir que a construção de “uma ponte para o futuro” não vai desmoronar.

Conceber e implementar uma política econômica pressupõe, sem dúvida, um conhecimento científico de como funciona o sistema, mas é, antes de tudo, uma arte baseada na intuição, na experiência profissional e, fundamentalmente, na sensibilidade social e política dos que a formulam e a implementam, num ambiente de negociações recorrentes e de autocrítica persistente.

Especificamente, o processo de implementação da atual política econômica vem provocando pelo menos três choques assimétricos: um na distribuição da renda e da riqueza nacional, com os detentores de ativos financeiros tornando-se cada vez mais ricos, com 6,3 milhões de novos pobres desde 2014, e com o Brasil tendendo a se configurar como um pequeno conjunto de ilhas de prosperidade num oceano de pobreza; outro nos mercados de trabalho, com mais de 26 milhões de desempregados, subempregados e desalentados; e um terceiro choque assimétrico nos mercados financeiros, com as taxas bancárias cobradas das famílias e dos empreendedores num patamar cerca de cinco vezes superior ao custo do dinheiro do Banco Central.

São três choques assimétricos fatais para desestimular a retomada do crescimento econômico, para ampliar as incertezas dos protagonistas na arena econômica e para afligir ainda mais os que já estão aflitos.

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