JOSIAS PEREIRA

Ex-seleção brasileira luta para tirar time de Stoichkov e Ivanov da fila

Futebol búlgaro terá a última rodada do campeonato nacional disputada nesta sexta-feira; o CSKA Sofia, do lateral-esquerdo Geferson, ex-Internacional e Vitória, está a um ponto do líder Ludogorets

Por Da Redação
Publicado em 23 de maio de 2019 | 11:14
 
 
Lateral-esquerdo Geferson Teles vem dando sequência em sua carreira defendendo as cores do CSKA Sofia, da Bulgária CSKA Sofia/Divulgação

O futebol na Europa está próximo de seu encerramento. Os grandes campeonatos e a maioria dos torneios nacionais já possuem seus campeões. No entanto, na terra do ídolo Hrsto Stoichkov, a última rodada do Campeonato Búlgaro, marcada para essa sexta-feira, será decisiva para um brasileiro que luta para levar o CSKA Sofia à glória depois de sete temporadas de domínio total do Ludogorets. A Coluna "Pelo Mundo" entrevistou o lateral-esquerdo Geferson, baiano de Lauro de Freitas, que destacou-se no Internacional, clube onde completou sua formação na base, chegando inclusive a defender a seleção brasileira na Copa América de 2015. 

Após perder espaço no Colorado, Geferson foi emprestado ao Vitória. Recuperou seu futebol e, no meio da temporada europeia, logo no início de 2018, embarcou em uma aventura rumo à Bulgária. Pelo segunda jornada seguida, ele batalha com o CSKA Sofia para tirar o título nacional das mãos do Ludogorets. Nesta sexta-feira, a batalha final acontece em casa, contra o Botev Plovdiv. Ao time de Geferson resta fazer sua parte, vencer e depois secar o Ludogorets, que também joga amanhã, no mesmo horário, às 14h (de Brasília), contra o Cherno More, em casa. A missão é muito difícil, tendo em vista que o CSKA vacilou na oportunidade que teve exatamente no duelo direto com o Ludogorets, um 0 a 0 no dia 11 deste mês, dentro de seus domínios. Mas a esperança ainda resiste. Os dois times estão separados por apenas um ponto na tabela (76 pontos contra 75). 

O CSKA Sofia é o maior campeão do futebol búlgaro, com 31 taças. Passaram pela equipe grandes nomes daquela seleção búlgara que encantou o mundo nos anos 1990. Além da lenda Stoichkov, ninguém menos que o zagueiro Trifan Ivanov. Ele recebeu a braçadeira de capitão do time das mãos do próprio Stoichkov (foto abaixo). Foram seis anos no clube, divididos em quatro passagens, tendo conquistado por três vezes o Campeonato Búlgaro.

No entanto, a equipe de Sofia passou por uma grande crise financeira nos últimos anos, chegando inclusive a ser rebaixada para a terceira divisão em 2015. O CSKA não vence o campeonato nacional desde 2008.

Em 2016, a equipe tornou-se a primeira do terceiro escalão do futebol local a conquistar a Copa da Bulgária, superando o Montana na decisão por 1 a 0. A campanha na terceira divisão também foi impecável, com 31 vitórias, um empate e a 20 pontos à frente do segundo colocado. Por determinação da federação búlgara, o CSKA Sofia acabou tendo revogada sua punição e retornou à elite do futebol nacional. Desde então, o time vem buscando se reerguer no cenário local. A principal batalha do CSKA é contra o domínio do Ludogorets, que passou de um modesto time de Razgrad à potência local sob o controle do magnata búlgaro Kiril Domuschiev, que adquiriu a equipe em 2010. Uma das grandes movimentações no mercado praticadas por Domuschiev foi a contratação do brasileiro Marcelinho, hoje naturalizado búlgaro, que ao final da temporada 2016-2017 já havia disputado 185 jogos da liga local, com 62 gols marcados. 

Considerado um dos grandes nomes do elenco do CSKA, Geferson bateu aquele papo sobre o futebol búlgaro com a coluna "Pelo Mundo" e contou, dentre outros assuntos, de sua opção pelo país do Leste Europeu, além das condições de vida oferecidas a ele, a luta pelo título nacional, o futuro com pensamento de volta ao Brasil e um encontro com o ídolo Stoichkov. Confira a entrevista abaixo:  

O início de carreira: das ruas de Lauro de Freitas à seleção brasileira 

Minha história como jogador de futebol começou como a de vários outros atletas, começando a jogar bola na rua, no bairro, com os amigos lá na Bahia, aí fui à escolinha com meu pai, só que não tínhamos condição de pagar. Eu ganhei então uma bolsa, de lá eu conheci um cara que abriu uma escolinha na rua da casa da minha avó, resolvi ir para lá, treinei por alguns dias e ganhei uma chance no Vitória, cheguei lá com 11 anos e fiquei até os 15. Depois eu fui para o Internacional, dei continuação a toda minha formação de base lá até chegar ao profissional. Participei de alguns jogos do Campeonato Brasileiro de 2014, mas fui fixado mesmo no grupo profissional em 2015 e daí continuou toda a minha história no futebol até hoje. A seleção é chegar ao ápice da carreira, eu com 21 anos na época, convocado para jogar uma Copa América, sendo que vários outros grandes jogadores não conseguiram esse feito, para mim foi um motivo de grande satisfação. 

Sem espaço no Inter, a busca por prestígio onde tudo começou 

Eu estava jogando bastante, mas acabei me lesionado e quando eu voltei, o lateral na época estava jogando bem, teve uma sequência, e eu fui pouco aproveitado. Para mim foi muito importante para voltar a ter a confiança que eu tinha antes, de estar jogando, de estar me sentindo prestigiado dentro de um grupo. Não que eu estivesse sem prestígio no Internacional, mas precisava jogar mesmo, até porque eu tinha pouca idade, tinha que mostrar futebol ainda e também possuía esse sonho de jogar na equipe onde tudo começou para mim.

A decisão de embarcar na aventura chamada Bulgária  

Estava de férias, depois de ter acabado a temporada no Brasil com o Vitória, e meu empresário começou a conversar comigo sobre a possibilidade de atuar aqui, na Bulgária. Me apresentaram o projeto e eu acabei aceitando. O CSKA é um clube de grande estrutura, um clube que é o maior vencedor da Bulgária, não pensei duas vezes em dizer sim. Para mim era uma chance de uma nova experiência dentro do futebol. A nossa vida é movida a desafios, se tiver que sair de casa para buscar novos desafios, temos que aceitar. Foi por isso que eu vim para a Bulgária. Quando eu cheguei tinha dois brasileiros, o Henrique e o Fernando Caranga. Eu já conhecia o Henrique por ter jogado na base do Internacional com ele e o Caranga cacabei conhecendo aqui, ele acabou vendido agora para a China, e chegaram mais dois brasileiros, o Maurides e o Evandro. O Maurides acabou indo embora, ficando eu, o Henrique e o Evandro de brasileiros no CSKA Sofia. O clube tem um tradutor que me ajuda muito aqui. Quando eu preciso comprar algo, resolver algum assunto simples, como pagar uma conta, ele sempre me acompanha.

Promessa cumprida

O projeto que eles me apresentaram está sendo cumprido, não só em dinheiro, mas também moradia, estrutura. Não tenho nada a reclamar ou me queixar sobre isso porque tudo que foi acordado está sendo cumprido. Aqui é um país bom de viver também. País tranquilo, país de um custo de vida barato. Está sendo uma experiência muito boa para mim. 

Um pênalti perdido que pode ter feito toda a diferença 

Claro que um time tão grande como o nosso não pode ficar tantos anos sem ganhar o principal título do país. Mas o grupo que está aqui agora não fez parte desse jejum que estabeleceu-se desde o último título nacional do CSKA Sofia (conquistado em 2007-2008). Tivemos um confronto direto contra o Ludogorets, era a chance de empatar com eles no número de pontos, perdemos um pênalti infelizmente, e eles continuaram na nossa frente. Existe ainda essa última chance e vamos brigar até o fim para conquistar esse título tão importante. 

Jamais presenciou casos de racismo na torcida búlgara

O principal clássico da cidade é o CSKA Sofia e o Levski. O Ludogorets é de outra cidade, mas é claro que pelos títulos seguidos que eles vêm conquistando vira um clássico importante também. É uma torcida que não deixa a desejar para as outras que eu já tive o apoio. Eu nunca presenciei nenhum caso de racismo aqui, nem nada ofensivo, é uma torcida que apoia bastante o time a todo o momento, independentemente de estar perdendo ou ganhando. Casos de racismo eu nunca cheguei a presenciar por aqui, não digo que não aconteça, mas eu, particularmente, nunca vi e espero jamais ver.

A missão

Decidi vim porque era um bom projeto, mas vejo que aqui também é uma boa vitrine. O desafio meu aqui é ganhar um título importante e marcar a história do clube depois de tantos anos sem ganhar. Essa missão também me motivou a vir para cá. 

As características do futebol búlgaro

O futebol daqui é de muita força. Acho que, em geral, o futebol está assim. Um jogo mais pegado, mais ríspido, perdemos aquele cadenciamento de tempos atrás. Eu não vejo mais no futebol essa história de um time ser tão superior ao outro. A gente vê em vários países, um time da parte debaixo da tabela ir na casa de uma equipe que está brigando pelo título ganhar ou empatar. Futebol ultimamente está assim. A gente não vê um time tão superior ao outro nesses campeonatos. Tudo pode acontecer. 

Os parceiros de Bulgária e as saudades da comida baiana

Quem me acompanha aqui na Bulgária é meu irmão e meu primo. Eles vieram para cá para eu não ficar sozinho e estão me acompanhando por aqui nesse período. Não é tão diferente a comida aqui, claro que eles possuem os gostos deles, mas aqui eu só não vejo feijão. Mas tem peixe, arroz, sopa. A comida baiana é muito diferente, eu sinto muita falta, mas aqui também não passo esse problema de alimentação porque comemos bem e tem muitas opções que vemos também no Brasil. 

Inverno rigoroso e a metodologia de treinamento

Realmente tem uma parada aqui no fim do ano porque o o frio pega de verdade aqui. O treinamento é questão mesmo do técnico. Tem uns que gostam mais de treino de força, de contra-ataque, tem uns que gostam mais de posse de bola. Nesse período meu aqui já passaram três treinadores e cada um tem uma característica própria de trabalhar. O primeiro foi mais posse de bola, o segundo era mais contra-ataque, o terceiro retomou a tendência de manter o controle da bola. Não acho que seja tão diferente assim em relação ao Brasil. 

O futuro a Deus pertence, mas passa na mente um retorno ao Brasil 

Tenho mais um ano de contrato aqui. Termina no meio de 2020. E eu não costumo planejar muito o que vai acontecer lá na frente. O que tiver de acontecer vai acontecer. Aquilo que Deus achar que vai ser o melhor para mim, eu vou aceitar. Essa parte de ficar ou de sair, eu deixo para meus empresários. O CSKA Sofia possui a preferência de renovar. Se eles exercerem isso, vamos sentar, conversar, saber da proposta deles. Mas também, claro, penso em voltar ao Brasil porque minha família está aí, tenho um filho aí. Mas isso eu deixo mais para frente. Deixa quando acabar o campeonato, sentar e acertar tudo direitinho. 

Salário atrativo?

É um salário bom, não vou mentir, falar que não é. Mas não é tão diferente do Brasil. Eles pagam em dia, estão cumprindo com as obrigações, mas não chegou a me impressionar. Nunca fui um cara de me impressionar com dinheiro. Claro que precisamos disso para viver, temos família para sustentar, porém eu não costumo olhar para esse lado. Eu olho mesmo para o que eu posso deixar de legado para as crianças, jovens, gente que se inspira em mim e eu acho que o dinheiro não é tão importante para isso. 

O CSKA tem um futuro brilhante pela frente

O primeiro passo já foi dado, que era nos reerguermos como clube. Agora estamos aí na briga por títulos, temos um time jovem, se não me engano o time de menor média de idade da Bulgária e temos tudo para dar continuidade neste projeto, voltando à vitrine do futebol europeu porque o CSKA Sofia já chegou a jogar a Liga Europa, e eu vejo que em breve estaremos próximos de ver isso acontecer novamente. 

Sempre na torcida pela seleção búlgara

O futebol está muito dinâmico, mas temos jogadores muito importantes do nosso time que defendem a seleção da Bulgária, outros jogadores do Ludogorets também. Tem até um brasileiro que naturalizou e defende a Bulgária (Marcelinho, que joga no Ludogorets, considerado um dos melhores jogadores estrangeiros do futebol local por sucessivas temporadas - vídeo acima). Acho que eles estão no caminho certo de se reerguer, de voltar a disputar uma Copa do Mundo e espero, de coração, que eles voltem porque são pessoas boas, que me acolheram aqui muito bem. A Bulgária ficará para sempre no meu coração e eu estarei sempre na torcida para que aconteça o melhor com eles. 

Tudo é no momento certo

O recado que eu posso mandar para essas pessoas é que continuem me acompanhando, acreditando em meu potencial. Não é porque eu estou longe que desaprendi a jogar, que eu desaprendi aqui a fazer o que eu amo, o dom que Deus me deu. E, sim, eu realmente penso em voltar ao Brasil. Mas creio que tudo isso é no momento certo, no tempo de Deus, e se for da vontade Dele que aconteça, seja ficar aqui ou jogar em outro lugar da Europa, eu só vou agradecer.

O encontro mágico com Stoichkov 

Quando ele chega, tudo para aqui. O pessoal aqui é muito apaixonado por ele, pela história dele. Também não é por menos, ele é considerado o maior jogador da história da Bulgária. Atuou com jogadores importantes no Barcelona. Eu não o vi jogar, até porque não é da minha época, mas tenho muita admiração. As pessoas o idolatram aqui, tive o prazer de conhecê-lo, batemos um papo, conversamos, claro que com um tradutor ao meu lado (risos). Ele me passou o quão grande é o CSKA Sofia e o quanto podemos ficar marcados positivamente por ganhar um título que há muitos anos o clube não conquista. Me disse também que eu era muito importante para o time nessa reconstrução. O Stoichkov, sempre que pode, vai acompanhar os treinamentos do CSKA e todo o time esteve presente no lançamento do livro dele.