Pelo mundo

Josias Pereira é repórter do Super FC e escreve sobre futebol internacional, um espaço voltado inclusive às ligas alternativas mundo afora, variadas modalidades esportivas, como basquete, futebol americano, beisebol, dentre outras, além de literatura e turismo esportivo.

Hipocrisias e incoerências no ‘futebol raiz’

Publicado em: Seg, 31/07/17 - 03h00

Existe uma certa mania dos brasileiros em rotular o declínio técnico do futebol nacional e o esvaziamento dos estádios no país com a implantação do padrão europeu estabelecido pela Fifa com a Copa de 2014. Será apenas isso? O brasileiro gosta de se auto-intitular o dono do futebol. Um achismo óbvio de quem é pentacampeão do mundo. No entanto, o ato de chutar uma bola não começou aqui e nem terminará aqui.

A incoerência. É muita pretensão demonizar o estilo europeu de torcer sem ao menos entender que o Velho Continente, há décadas, vem tentando de forma absurda conter, como por exemplo, o hooliganismo dentro e fora dos estádios. Um mal que atingiu seu ápice no maior de todos os desastres: o de Hillsborough, em 1989, na Inglaterra, quando 96 torcedores morreram asfixiados, esmagados contra uma grade do estádio.

Episódio que mostrou a necessidade de mudanças radicais na forma como o futebol era gerido na Europa. Os reflexos estamos acompanhando nos dias de hoje com o tal do torcer sentado, a exigência de documentos e registros para ver as partidas, setores demarcados para facilitar o fluxo de pessoas, câmeras de segurança e etc. E olha que boa parte do futebol europeu não vive o padrão Premier League.

A hipocrisia. As redes sociais criaram uma espécie de mantra dos “sabe tudo”, mas é hipocrisia lamentarmos as inúmeras tragédias motivadas pela violência nos estádios brasileiros e, ao mesmo tempo, mantermos o discurso de que o futebol precisa voltar a sua raiz. Seria voltar a sua raiz o fato de colocar em risco a integridade física dos torcedores ou celebrarmos cenas de policiais protegendo os jogadores de objetos atirados na hora do escanteio? É hipocrisia cobrarmos profissionalismo, uma vez que sempre defendemos o caráter imutável do futebol. É simples. Não há atalhos. O que é certo, é certo. O que é errado, é errado. Foram as próprias pessoas que colocaram freios no futebol por não saberem se comportar em sociedade.

A quem interessa? Quanto aos ingressos, quando será que vamos começar a condicionar o afastamento da população mais simples à própria insistência dos clubes em alavancar seus programas de sócios? São os times que se esqueceram que o país registra hoje 14 milhões de desempregados e que a última coisa que farão na vida é deixar de colocar comida na boca de um filho para ver um jogo de futebol – e olha que muitos, mesmo assim, o fazem por simplesmente amar o esporte. Onde está o outro lado desta paixão? Não seria o momento dos clubes também cederem e começar a repopularizar o campo? A resposta é simples. Mas parece que não há interesse.

Não “faz parte”. É muito simplório atacar a Europa. A questão não é nem qual modelo de torcer seja o certo do ponto de vista cultural. Mas é difícil aceitar as mazelas de gestão do Brasil. Um problema organizacional que simplesmente nos faz sempre achar que o jeito desregrado faz parte. O futebol é apenas um simples recorte da realidade que vivemos todos os dias com o desrespeito com os direitos básicos dos cidadãos.

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