JOSIAS PEREIRA

Um atleta-herói de carne e osso

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 17 de julho de 2017 | 03:00
 
 

Dizem que uma boa forma de começar a reorganizar a vida é dando uma geral em guarda-roupas e armários. A teoria, de fato, é bela, mas para mim é quase como uma imersão ao passado.

Foi o que aconteceu na última semana ao deparar-me, no meio da tal faxina programada, com um álbum de figurinhas — um vício, talvez infantil ou consciente, que mantenho a cada quatro anos — da Copa de 2010, na África do Sul. Ao folhear as páginas, logo esqueci-me do resto e lembrei-me da alegria que obtive quando completei a seleção inglesa com a figurinha mágica do atacante Jermain Defoe. Um dia feliz.

Defoe foi, digamos, o “salvador” do English Team naquele Mundial, fazendo um dos míseros dois gols anotados pelos ingleses na fase de grupos, sendo dele o da classificação ao mata-mata. Defoe e sua trupe seria eliminados na sequência, nas oitavas, goleados por 4 a 1 pela Alemanha em um polêmico jogo.

Jermain Defoe jamais será um Wayne Rooney, e poderia passar facilmente despercebido na história do futebol. Mas ouso dizer que ele foi mais que Rooney. Para um torcedor em especial, ele foi. Nas últimas semanas, a Inglaterra chorou a morte de Bradley Lowery, um garotinho de seis anos que tornou-se símbolo do futebol local ao lutar contra um raro tipo de câncer. Ele pode ter perdido a batalha contra a doença, mas ganhou os nossos corações.

Seu ídolo maior no esporte não foi Messi ou CR7, os preferidos de hoje. Foi Defoe. O jogador acumulou em sua carreira uma passagem pelo Sunderland, time do coração de Bradley. Mas não permaneceu por muito tempo nos Black Cats. Utilizou-se de uma cláusula que determinava sua saída em caso de rebaixamento. No entanto, o curto período foi suficiente para que Bradley reconhecesse Defoe com um herói.

Um herói de carne e osso, pois o atacante, entendedor de seu papel, rompeu o conservadorismo da relação do ídolo com o fã e tornou-se também o melhor amigo da criança, acompanhando-a até o leito de morte.

Ao saber do falecimento de Bradley, Defoe foi às redes sociais e não se conteve. “Você nunca vai saber a diferença que fez para mim, como pessoa. Vou sempre carregá-lo em meu coração. Durma bem, pequenininho. Meu melhor amigo”, escreveu.

Em um mundo esportivo de relações cada vez mais superficiais, em que a arrogância impera aliada à ganância do querer e do poder, poucos são os atletas capazes de tamanho desprendimento.

Poucos também são aqueles esportistas que conseguem entender seu papel como um exemplo, não apenas como ícones do sucesso daquele velho chavão: “venceu na vida”. Heróis para milhares de Bradleys, que nas batalhas diárias encontram nos gols, ou nas conquistas de outros, as suas próprias vitórias. Sucessos, por vezes, pequeninos, porém, gigantescos quando se tem a vida em jogo, em que tudo que estanca a dor é celebrar um gol.

O que falta ao futebol e ao esporte profissional é que ele seja mais humano. Trazer aquele distante personagem do álbum de figurinhas mais próximo das pessoas. Reconhecer que sem Bradleys, sem os torcedores e os fãs, eles, os atletas, jamais seriam o que são.