Pelo mundo

Josias Pereira é repórter do Super FC e escreve sobre futebol internacional, um espaço voltado inclusive às ligas alternativas mundo afora, variadas modalidades esportivas, como basquete, futebol americano, beisebol, dentre outras, além de literatura e turismo esportivo.

Um conto de fadas na 'Liga dos Sonhos'

Publicado em: Seg, 10/07/17 - 03h00

Talvez muitos não saibam, mas a Liga dos Campeões da próxima temporada já começou. Um torneio à parte entre times do terceiro ou quarto escalão da Europa e que lutam com todas as suas limitações para, ao menos, sentir o mesmo gosto que os gigantes do continente ostentam. E engana-se quem pensa que a Europa é apenas mídia e encanto. Na chamada fase preliminar da Liga dos Campeões, o futebol raiz impera. Aquele mesmo que nos acostumamos a encher a boca para falar após a elitização dos estádios durante a Copa no Brasil, mas que quase nunca – ou jamais – damos crédito. A TV, por exemplo, o omite. Uma pena.

Nesta fase da Liga dos Campeões, não há o glamour das arenas multiuso, nem mesmo os craques que todos esperam, mas existem histórias tão boas que merecem ser contadas.

O relato de hoje vem do Kosovo, um território que já foi integrado à antiga Iugoslávia e que foi arrasado por uma guerra sangrenta com a Sérvia, conflito que motivou o deslocamento de mais de 200 mil refugiados e matou milhares de pessoas. Um país ainda em busca de identidade, mas que vai encontrando, aos poucos, este sentimento por meio da prática esportiva. E tem quem relegue o esporte ao status de “pão e circo”. Eles não sabem o que dizem.

A ONU não reconhece o Kosovo como uma nação, mas a Uefa, assim como o Comitê Olímpico Internacional (COI), sim. Foi com esta autorização “fora dos registros” que o Trepça 89, um modesto time amador, fez história ao se tornar a primeira equipe do Kosovo a disputar a Liga dos Campeões.

Um conto de fadas que começou em maio deste ano, quando a equipe bateu o Besa por 2 a 0, fora de casa, e se sagrou campeão nacional frente a talvez dez de seus torcedores em um estádio para 8.500 pessoas, quase vazio. Formado em sua maioria por jogadores de origem albanesa, o Trepça nunca contou com a total admiração de sua própria cidade, Mitrovica, um dos locais no Kosovo onde a tensão étnica entre kosovares, sérvios e albaneses é grande. No entanto, por um instante, todos deixaram as diferenças e passaram a se importar com este singelo time alviverde. De repente, o orgulho do país.

Pena que assim como nos contos, no futebol sempre há a meia-noite e a Cinderela precisa sair de cena. Logo na primeira perna da fase qualificatória da Liga dos Campeões, o Trepça teve como rival o Vikingur, das Ilhas Faroé, e foi eliminado após perder, fora de casa, por 2 a 1, e ser goleado, em seus domínios, por 4 a 1.

Na despedida, um pedido de desculpas no Facebook. “Nunca iremos nos perdoar por tamanha vergonha. Caros torcedores, do fundo do coração, pedimos seu perdão”. Seria por demais otimismo pensar que eles iriam longe, que rivalizariam com “Barcelonas e Messis” da vida, mas em um futebol cada vez mais comercial e sem alma, é bom saber que o simples e o passional ainda imperam. Por isso, não se desculpe, Trepça. Sobreviva, resista assim como seu povo. Quão boa seria a humanidade se todas as desavenças políticas, étnicas e religiosas fossem solucionadas não em guerras, mas em um campo de futebol. 

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