Novela

Dez anos após 180 perfurações, metrô de BH permanece com 28,1Km

Projeto de ampliação parou em promessas eleitoreiras e falta de recursos; extensão é a mesma há 20 anos, desde inauguração de estações em 2002

Por Gabriel Ferreira Borges
Publicado em 27 de novembro de 2022 | 08:00
 
 
Tarifa do metrô de BH é reajustada para R$ 5,30 Flavio Tavares/O TEMPO

“A Empresa Pública Trem Metropolitano de Belo Horizonte S/A (Metrominas) (...) iniciou ontem o trabalho de sondagem para a Linha 3 - Trecho Savassi-Lagoinha”, informava o governo de Minas Gerais em 4 de setembro de 2012. À época, a empresa Progeo Engenharia Ltda., contratada pela Metrominas, havia acabado de isolar o quarteirão da Rua dos Carijós, entre a Avenida Afonso Pena e a Rua Espírito Santo, para fazer a primeira de uma série de 180 perfurações para avaliar qual a viabilidade da implantação do ramal Savassi-Lagoinha do metrô de Belo Horizonte.  

Ainda parte de um estudo embrionário para ampliar o sistema, as sondagens geotécnicas geraram um rebuliço entre os moradores. “Foi nos dada uma ordem de serviço e tivemos que cumprir”, explica o engenheiro Antônio Miranda Jr., responsável pelas sondagens. “Logo que começamos, deixamos bem claro em todos os pontos onde fizemos sondagens que era uma obra da Metrominas. Houve o rebuliço, (diziam) ‘ah, estão fazendo furos’, e ficou conhecido como ‘os buracos’, diminuindo até o trabalho que a gente presta”, relembra Miranda Jr.

À época, as intervenções, realizadas em meio às eleições municipais, foram associadas ao prefeito Marcio Lacerda (PSB), então candidato à reeleição. “A suposta ‘fama’ a que você se referiu foi criada pela oposição”, responde Lacerda. “As sondagens iniciadas no segundo semestre de 2012 eram de responsabilidade da Metrominas, empresa do governo do Estado. (...) De 2013 em diante, em virtude de disputas políticas entre governos federal e estadual, os recursos não foram liberados”, explica o ex-prefeito. O TEMPO entrou em contato com o então secretário de Transportes e Obras Públicas de Minas Gerais, Carlos Melles (PL), mas não foi atendido até o fechamento desta reportagem.

De lá pra cá, mesmo diante de sucessivas promessas, o metrô tem os mesmos 28,1 quilômetros de extensão de quando as estações 1º de maio, Waldomiro Lobo, Floramar e Vilarinho foram inauguradas em 2002. Um ano antes das perfurações, em 2011, a então presidente Dilma Rousseff (PT) havia anunciado, no âmbito do PAC 2, R$ 3,16 bilhões justamente para ampliar o ramal Eldorado-Vilarinho e construir as linhas Calafate-Barreiro e Savassi-Lagoinha - à época considerado “o maior investimento já feito em uma cidade em termos de mobilidade”.

Além de estudar a expansão do sistema em 4,5 quilômetros entre a Savassi e a Lagoinha, a Metrominas, entre 2012 e 2013, durante o governo Antonio Anastasia (então filiado ao PSDB), iniciou as análises para ampliar o ramal Eldorado-Vilarinho em 1,7 quilômetro e ainda construir uma malha de 10,5 quilômetros entre Calafate e Barreiro. Ao todo, os estudos custaram aos cofres públicos, entre contratos firmados pelo Estado com a Caixa Econômica Federal e recursos de fundo perdido da União, R$ 34,67 milhões - valores históricos.  

Em 2013, quando apenas 2% do valor anterior havia sido liberado, Dilma prometeu ainda outros R$ 2 bilhões às vésperas das eleições para a sucessão ao Palácio do Planalto. No entanto, apesar das promessas, uma divergência entre os governos federal e estadual a respeito do projeto executivo travava a empreitada. 

Impeachment travou estadualização 

Quando assumiu em 2015, o governador Fernando Pimentel (PT) ouviu do então ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD), que a União asseguraria R$ 5 bilhões para o metrô. “Já assumimos o compromisso para liberar os recursos necessários neste ano para o mínimo de investimentos, que são os projetos para a execução”, disse à imprensa. Ainda naquele ano, o Estado contratou novos estudos. Desta vez, foram R$ 11,76 milhões investidos em projetos para tirar do papel o ramal de 22,6 quilômetros entre Contagem e Betim.

Então secretário de Transportes e Obras Públicas, Murilo Valadares explica que, por força da Política Nacional de Mobilidade Urbana, o governo Dilma condicionou a liberação dos recursos do PAC à estadualização do metrô. “Nós então começamos a negociar a estadualização. A gente disse que o Estado de Minas Gerais assumiria o metrô desde que o governo federal aportasse mais recursos, porque a execução de todas as obras ficaria em torno de R$ 7 bilhões”, relembra Valadares.

A proposta, então, foi levada ao Ministério do Planejamento. Em troca do investimento, o Estado, via Metrominas, assumiria os ativos da Superintendência de Belo Horizonte da Central Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), responsável por manter e operar o sistema. “O governo federal não entrava na discussão se vai privatizar ou não. (...) Mas o governo do Estado tinha a intenção de fazer uma parceria público-privada (PPP)”, detalha.

Entretanto, a estadualização não avançou, já que, mais tarde, envolta em uma crise política, Dilma sofreria o impeachment. “Como chegou a crise política, o impeachment, obviamente o dinheiro foi cancelado”, afirma Valadares. O então secretário de Transportes e Obras Públicas ainda acrescenta que, como o Estado faria uma PPP, não havia necessidade de ter feito o projeto executivo. “PPP não precisa de projeto executivo. É bom que tenha, mas Salvador não fez o projeto executivo e licitou o metrô direto”, argumenta.

Temer. Sucessor de Dilma, o ex-presidente Michel Temer (MDB) também contribuiu para a novena. Em 2017, Temer anunciou que destinaria R$ 157,7 milhões para a malha metroviária de Belo Horizonte. Os recursos seriam investidos para ampliar a linha Eldorado-Vilarinho até a Estação Nova Eldorado. Embora fosse mais simples, a obra também não saiu do papel.

Metrominas
Constituída em 1999, a Metrominas teria a função de acompanhar a ampliação do metrô de Belo Horizonte. Entre 2012 e 2015, a empresa pública, inclusive, conduziu a contratação dos estudos para analisar a viabilidade das obras.

À época de Pimentel, a intenção era que a Metrominas assumisse o metrô para que depois o concedesse a partir de uma PPP. Entretanto, durante o governo Zema, a Metrominas foi desativada. Nas palavras de Marcato, se tornou uma “empresa de papel”.

“Do ponto de vista prático, ela não representa mais custos para o Estado”, diz o secretário. Agora, a PPP será viabilizada a partir da cisão da CBTU e da criação do VDMG. “O que é a cisão? Tirar um pedacinho da CBTU e criar uma nova empresa, que se chama VDMG. Ela foi criada exclusivamente pra fazer a concessão”, pontua Marcato.

Leilão ganha ares de incerteza

A concessão do metrô de Belo Horizonte voltou a avançar durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Em setembro de 2021, Bolsonaro sancionou a criação do Veículo de Desestatização de Minas Gerais (VDMG), destravando o impasse da estadualização. Após o Tribunal de Contas da União referendar os estudos do BNDES para a privatização, o leilão foi marcado para 22 de dezembro. Entretanto, o certame já ganha ares de incerteza. 

Na última quarta, o Tribunal de Contas do Estado recomendou a paralisação do leilão pela “existência de riscos significativos à sustentabilidade da concessão”. O edital prevê a cessão da operação do metrô à iniciativa privada por 30 anos. Além do aporte de R$ 2,8 bilhões da União - R$ 1,6 bilhão para liquidar o passivo da VDMG e R$ 1,2 bilhão para construir o ramal Barreiro-Calafate -, o projeto prevê o investimento de R$ 440 milhões do governo Romeu Zema (Novo).

A Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), por sua vez, ponderou que o parecer do TCE “trata-se de uma recomendação - e não de decisão judicial”. “A Seinfra reafirma que está em constante diálogo com o TCE e considera as recomendações propositivas para o aperfeiçoamento do projeto de concessão do metrô da Região Metropolitana de Belo Horizonte”, acrescentou.

Antes, o leilão já havia entrado na pauta do gabinete de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O deputado federal eleito Guilherme Boulos (PSOL-SP) e o ex-governador de São Paulo Márcio França (PSB), que integram o grupo técnico de Cidades do gabinete de transição do presidente eleito Luiz de Inácio Lula da Silva (PT), já haviam sinalizado que pediriam ao Ministério do Desenvolvimento Regional o adiamento, já que, como a concessão seria homologada por Lula, geraria insegurança jurídica se fosse levada a cabo pelo governo Jair Bolsonaro (PL). 

Questionado, o secretário de Estado de Infraestrutura e Mobilidade, Fernando Marcato, afirma que o governo “não tirou do chapéu do projeto e está fazendo em final de mandato”. “Chama a gente para conversar, chama o governador para conversar, a gente quer colaborar. Mas não fazer declaração na mídia dizendo que vai parar o projeto. Não pode ser assim”, diz o secretário.

Marcato teme que, caso o leilão seja adiado, os R$ 2,8 bilhões aportados pela União voltem para o Orçamento-Geral. “Abandonar o projeto, falar que o jeito que foi montado não é bom, pedir para devolver o dinheiro e dizer que depois põe de novo, eu não confio nessa história. Não é por causa de governo A, B ou C, mas, uma vez que (o dinheiro) volta para o Tesouro Nacional, pra tirar o dinheiro tem o teto de gastos, tem não sei o quê, e você não tira nunca mais”, conclui.