Representatividade

Graduada pela PUC Minas, fez a pós-graduação “O jornalista Latino Americano como agente e líder social”, no Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey, no México. Já atuou nas editorias de Economia, Política e Cidades, com passagem pelos jornais Hoje em Dia, Diário do Comércio, além de O Tempo e rádio Super Notícia. Integrante da lista dos 550 jornalistas mais premiados do Brasil, de acordo com o ranking “J&Cia dos Mais Premiados da Imprensa Brasileira”, de dezembro de 2019. Atualmente, é editora de Cidades, colunista responsável pela Coluna RepresentAtividade e integrante do Programa Interessa da Rádio Super.

Representatividade

Amizade não tem cota: você não precisa ter um negro de estimação

Publicado em: Sex, 22/01/21 - 03h00

“Eu não sou racista, sou casado com uma negra”. Essa frase foi usada por um homem logo após me dizer que eu estava no lugar errado por ser negra. Estávamos assistindo a um jogo da Copa do Mundo, em 2014, e por algum motivo ele se sentiu confortável em me dizer algo do tipo: “Você deve estar muito feliz de estar nesse camarote, que pessoas como você não deviam frequentar”. Não satisfeito com o absurdo dito, ele completou: “Lugar esse que sua mãe, que deve ser negra como você, não ia”. Sim, eu estava feliz por estar lá, obviamente não por esse motivo que ele citou. Mas também não era obrigada a explicar a ele por que estava alegre, afinal era só um desconhecido. E, antes que preconceituosos de plantão virem os olhos e digam “lá vem mi-mi-mi”, aviso: não desenterrei essa história para me vitimizar. Pelo contrário, nesta coluna, eu vim dizer que, se você ainda vê negros como pessoas inferiores, saiba que não é obrigatório ter um amigo negro de estimação. Saia logo desse armário cheio de ódio e preconceito e pare de rir para pretos se você é racista. 

Não, minha ideia não é pregar o ódio ou a separação entre negros e brancos. Aliás, esta coluna busca o contrário. Acredito na igualdade e na união. Mas é fato que uma parcela das pessoas vê o pedido de fim do racismo como algo ofensivo. Se você é uma dessas pessoas, entenda que ter amigos, vizinhos, conhecidos, ídolos, ou o que for, negros não te torna menos preconceituoso. Pelo menos não se, por dentro, no seu íntimo, você achar ridículo sua amiga negra ter aceitado o cabelo black dela. Preciso te dizer que ela não faz isso para aparecer. E antes que eu me esqueça: sim, não esconder os cachos é empoderamento. É sinal de que, apesar de críticas, inclusive de “amigos”, essas pessoas têm coragem de assumir o que são. 

E você? Quando vai parar de sair para beber com o amigo negro em um dia e no seguinte se indignar porque o aeroporto “está parecendo rodoviária” só porque viu alguns pretos circulando? Quando vai deixar de fazer piadas racistas ou no mínimo se questionar se o mundo é realmente tão justo como muitos pregam? Será que a maior parte dos negros é incompetente mesmo e deve ter papel de servidão nos empregos? Se você acredita que sim, não finja ser amigo desse negro, que talvez ainda não tenha percebido você como um preconceituoso. Eu te digo que ninguém, ninguém mesmo, merece ser o “preto de alma branca” de alguém.

No livro “Não Basta Não Ser Racista. Sejamos Antirracistas”, Robin Diangelo chama de racismo de bastidores este que acontece entre pares brancos e nas costas de pessoas negras. Com base em uma pesquisa feita por Leslie H. Picca e Joe Feagin, a obra mostra que a nova geração já entendeu que é socialmente questionável ser racista. Então, na presença de pessoas de cor, elas tomam cuidado para não usarem termos ou rótulos sociais. 

Porém, é nos bastidores que as máscaras caem, como descrito no seguinte trecho do livro: “Nos bastidores, onde não havia pessoas de cor, os estudantes brancos frequentemente recorriam ao humor para reforçar estereótipos raciais sobre as pessoas de cor, especialmente as negras. Picca e Feagin argumentam que o propósito dessas representações de bastidores é criar solidariedade e fortalecer a ideia da supremacia branca e masculina. Esse comportamento mantém o racismo em circulação, se bem que de maneira menos formal, mas talvez mais poderosa do que no passado. Hoje nós temos uma norma cultural que insiste para escondermos nosso racismo das pessoas de cor e negá-lo entre nós, mas não que realmente nos desafiemos”. 

Apesar de haver esse código de conduta em uma parcela da população, você não precisa segui-lo. Se você não gosta de negros e mantém amizade com pretos, está sendo duplamente injusto. Com o amigo, que merece ser de fato amado, e com você próprio, por estar sendo infiel aos seus conceitos. 

Claro que todo mundo pode mudar. Então, se você leu este texto até aqui e se encaixa no que eu disse, repense. Não passe a mesma vergonha do rapaz que citei no início do texto, que se esconde atrás de uma mulher negra para justificar falas preconceituosas. Ele, por exemplo, poderia ser visto como um racista, mas, ao se justificar com o casamento, ficou sendo um racista covarde. E, no fim das contas, fui para casa com dó da esposa dele. Não me faça sentir dó dos seus amigos também.

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