Ricardo Correa

Editor de Política de O Tempo escreve todos os sábados. Contato: ricardo.correa@otempo.com.br

A loucura da intervenção

Publicado em: Sáb, 23/09/17 - 03h00

Já passaram dos limites os pedidos de intervenção militar no Brasil. Vieram primeiro de radicais que se infiltraram em manifestações, depois de um general do Exército e, por último, de um deputado federal, que propôs o fechamento do Congresso. Tal posicionamento é fruto da revolta com o deplorável estágio para o qual nossa classe política levou a democracia representativa no país, mas também, e principalmente, da ignorância e da falta de educação de parte de nossa sociedade.

Sair às ruas ou bradar por aí defendendo uma intervenção militar, ou exaltar a ditadura que comandou o país de 1964 até meados da década de 80 é uma extrema incoerência, justamente pelo fato de que um regime de exceção não tolera opiniões ou manifestações. Assim, os defensores de um regime que substitua a democracia por meio do voto seriam os primeiros a serem reprimidos e retirados das ruas.

Nas redes sociais surgem os mais variados argumentos para separar uma intervenção militar de um regime ditatorial. Os mais ousados chegam a dizer que o Brasil não enfrentou uma ditadura propriamente dita, mas uma “democracia” vigiada, já que existiam eleições para governadores por aí. Uma tremenda bobagem, afinal as eleições ocorriam conforme as regras e os desejos daqueles que comandavam o país com mãos de ferro.

Outro argumento terrivelmente equivocado é dado por aqueles que dizem que, no regime militar, não havia o nível de corrupção que se vislumbra hoje no país. Quem pensa assim não leva em consideração que a quantidade de corrupção que aparece não é exatamente a quantidade de corrupção que existe. As empreiteiras agora implicadas nos principais escândalos no país ganharam força justamente no regime de exceção.

Uma sociedade controlada, sem imprensa livre e com órgãos de investigação sob vigilância não tem contato direto com a corrupção incrustada no submundo do poder. Escândalos do período militar logo foram abafados pela brutal censura imposta. Uma Lava Jato naquele contexto nunca prosperaria, e isso é óbvio.

Também é equivocado fazer comparativos rasos, como dizer, por exemplo, que naquela época podia-se andar nas ruas sem o perigo da violência. Ora, os tempos são outros, e o contexto da sociedade é muito diverso. Em quase todo o mundo é mais perigoso viver hoje do que em 1985.

A sociedade evoluiu em alguns aspectos e regrediu em outros. Então, se é para comparar, devemos lembrar que o PIB per capita, que era de US$ 5.668 em 1985, passou a ser de US$ 15.123 em 2015. A inflação anual foi de 242,2% em 1985 e, 30 anos depois, ficou em 7,7%. No mesmo período, a pobreza caiu de 42% para 15% da população e o índice de desigualdade recuou de 0,598 para 0,527. O tempo médio na escola da população, com mais de 25 anos passou de 4,3 anos para 7,7 anos. O número de crianças de 7 a 14 anos na escola passou de 81,5% para 98,6%. A esperança de vida ao nascer passou de 64,7 anos para 75,4 anos, e a mortalidade infantil foi de 56,7 por mil nascidos vivos para 13,8 no mesmo universo.

Por fim, é bom separar o conceito de ditadura das ideias de esquerda e direita e evitar um embate ideológico irracional. E, para terminar, eu pergunto a quem insiste nessa onda de intervenção militar: qual regime ditatorial no mundo é bem-sucedido atualmente? Duvido que os defensores da intervenção consigam citar um ou dois.

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