Ricardo Correa

Editor de Política de O Tempo escreve todos os sábados. Contato: ricardo.correa@otempo.com.br

Com que moral?

Publicado em: Sáb, 12/11/16 - 02h00

Não vou entrar no mérito da importância e dos efeitos positivos ou negativos da PEC 55 (antiga PEC 241, que trata do teto de gastos). Até porque, de acordo com o presidente Michel Temer (PMDB), comentários sobre ela só valem quando elogiosos. Disse ele que quem critica a PEC é porque não a leu. Então, deixemos o mérito de lado.

Ocorre que é preciso perguntar: com que moral o governo Michel Temer propõe a contenção de despesas (e investimentos) pelos próximos 20 anos se todo dia surge uma notícia de quão perdulário está sendo desde que tomou o controle do Palácio do Planalto?

Tem moral Michel Temer para pedir compreensão ao cidadão, que sofrerá com déficit orçamentário em áreas com demandas cada vez mais urgentes, gastando quase R$ 600 mil em um show de samba restrito para convidados?

Os ministros do atual governo têm respaldo para defender as necessárias medidas de austeridade quando usam aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB) 238 vezes sem justificativa, contrariando regras instituídas pelo governo que acabou de sair e do qual muitos deles fizeram parte?

Tem direito de pedir sacrifícios do país uma equipe que torrou, em apenas quatro meses, mais do que o gastador governo anterior havia despendido em seis meses nos cartões corporativos? Os R$ 24 milhões que escoaram de julho a 4 de novembro não lhe tiram tal direito?

Como um governo pode, tendo investido R$ 50 mil em um jantar para parlamentares justamente para convencê-los a aprovar a medida, querer que a sociedade acredite que trata-se de uma gestão responsável com as contas públicas?

O grande argumento em defesa da PEC – que, repito, não vou enfrentar detidamente – é o de que não se cortará nada da saúde e da educação, pois o aperto é no total de gastos, o que permitiria um remanejamento de recursos. Como acreditar nisso quando as despesas com pessoal irão explodir com o preenchimento de 1.400 cargos comissionados e com a aprovação de um reajuste de até 41% para o Judiciário? De onde virá o dinheiro se há ainda a discussão para um aumento de até 47,3% para carreiras da Polícia Federal e já há aval do governo para reposições salariais a peritos médicos do INSS, auditores fiscais e analistas da Receita, auditores do Trabalho, peritos do Incra, servidores do Dnit, da Polícia Rodoviária Federal e tantos outros?

Com ou sem moral para tal, o governo, com uma base folgada, ainda surfando nos benefícios dos cargos distribuídos no início do governo e na revolta geral do Congresso com o governo petista que foi defenestrado do Palácio, conseguirá concluir a aprovação da PEC 55 com razoável facilidade. Nos próximos meses, porém, virão propostas cujos impactos serão mais diretos e facilmente perceptíveis na sociedade. Será muito mais difícil aprovar as reformas trabalhista e previdenciária. Se até lá o governo não deixar para trás a imagem que vai sendo construída de que cortará tudo menos luxos da própria estrutura, o cidadão não topará pagar a fatura. E com o ano eleitoral de 2018 se aproximando, nenhum Congresso, por mais subserviente que seja, topará dividir a conta da impopularidade que as duas medidas trarão.

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