Roberto Andres

Arquiteto-urbanista, professor da UFMG e editor da revista PISEAGRAMA; o colunista escreve quinzenalmente às quintas-feiras

A cidade amanhã

Publicado em: Qui, 30/03/17 - 03h00

Em quatro anos, a cidade pode ser outra. O tempo de uma gestão da prefeitura é suficiente para uma série de transformações relevantes, que podem reduzir número de mortes e doenças, tempo no trânsito, poluição, violência; e aumentar o acesso a moradia digna, opções de lazer, postos de saúde, escolas.

Em uma gestão, a cidade de São Paulo criou mais de 400 km de pistas exclusivas de ônibus e outros 400 km de ciclovias. Mais gente passou a utilizar o transporte coletivo e bicicletas. O resultado é que, nesse período, a cidade melhorou 51 posições em um ranking que mede qualidade do trânsito – passando de 7º pior trânsito do mundo para 58º.

Em menos de três anos, a cidade de Seul, na Coreia do Sul, recuperou seu principal rio, que estava coberto por pistas para carros, e criou 10 km de área de lazer no centro da cidade. A velocidade do trânsito melhorou, a qualidade do ar no centro também, os ruídos e a temperatura média reduziram.

Outros exemplos estão aí: de Curitiba a Medellin, de Nova York a Copenhague, transformações relevantes foram realizadas em pouco tempo. Como nossas cidades estão sofríveis, mudar é urgente. O déficit de moradia em BH é de mais de cem mil pessoas. O saneamento básico engatinha e nossas águas estão tóxicas. Temos muito a avançar em tantas áreas como educação, saúde, tratamento de lixo, mobilidade etc.

Para se ter uma ideia, a poluição do ar gerada por automóveis mata mais de uma pessoa por dia em Belo Horizonte. Outras tantas têm problemas respiratórios, como bronquite, enfisema pulmonar, rinite. Os acidentes de trânsito matam outras 600 pessoas por ano, segundo o Mapa da Violência. Por outro lado, o tempo perdido no trânsito nunca foi tão grande.

Legislações recentes criadas em diversos municípios instituíram os planos de metas, que as gestões devem apresentar em seu início e buscar cumprir. Está aí uma oportunidade da sociedade intervir nos caminhos da prefeitura – ao invés de assistir à criação de políticas públicas aos sabores de voluntarismos dos gestores da vez.

O primeiro Programa de Metas de Belo Horizonte foi elaborado na segunda gestão de Márcio Lacerda (2013-2016). O processo foi falho no que tange à participação popular, com apenas uma audiência pública, e sem haver prestação de contas ao longo da gestão. A gestão atual, do prefeito Alexandre Kalil, terá até 30 de abril para apresentar suas metas para a cidade. O plano de metas deve ser o resultado das propostas apresentadas durante a campanha, mas também pode receber a contribuições da sociedade. Como queremos que a cidade esteja em 2020?

Se estamos morrendo e ficando doentes por um modelo equivocado de imobilidade que não nos ajuda a chegar mais rápido, as metas da atual gestão deveriam ser reduzir o valor da tarifa de ônibus, criar centenas de quilômetros de corredores exclusivos para transporte coletivo e de ciclovias, alargar calçadas, integrar melhor os modais existentes com o metrô, restringir uso de automóveis, estimular veículos não poluentes.

Se o meio ambiente, a vida e o bem estar da população forem priorizadas, devemos ter como metas criar novos parques urbanos, recuperar os existentes, plantar dezenas de milhares de árvores, zerar o esgoto jogado nos córregos, levar a coleta seletiva a todos os bairros, criar parques lineares nos ribeirões Arrudas e Onça, renaturalizar córregos e transformar nascentes em clubes a céu aberto.

Se o acesso a serviços públicos for priorizado, a prefeitura deve ter como meta garantir que ninguém tenha que caminhar mais que alguns minutos para chegar a um posto de saúde ou a uma escola, que 100% das crianças tenham vaga em escolas públicas, que equipamentos culturais funcionem bem em todos os bairros.

Para se intervir nas metas da atual gestão, coletivos e movimentos sociais formaram o BH2020, que visa reunir, debater e apresentar propostas de metas para a prefeitura. Esse conjunto pode representar bem o estágio atual de discussão da cidade pela população e pressionar o poder público para ter metas ousadas de interesse coletivo.

Uma reunião de lançamento da iniciativa acontecerá na próxima terça-feira, as 19h, no Centro de Referência da Juventude. A cidade de amanhã precisa ser construída hoje.

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