Roberto Andres

Arquiteto-urbanista, professor da UFMG e editor da revista PISEAGRAMA; o colunista escreve quinzenalmente às quintas-feiras

A Serra precisa do Busão

Publicado em: Qui, 19/01/17 - 02h30

Frente ao cenário de precariedade do sistema de transporte em BH e às importantes iniciativas cidadãs por uma cidade mais justa, a coluna de hoje é cedida para o coletivo Tarifa Zero BH, que atua na área de mobilidade urbana.


No ano de 2005, a avenida do Cardoso foi aberta pelo projeto de urbanização do aglomerado da Serra, visando ligar o bairro, na região Centro-Sul, à avenida dos Andradas, na Leste. Apesar do grande abalo na comunidade, que sofreu com remoções e reassentamentos, a via é pouco utilizada pelo transporte público, ciclistas, pedestres e, principalmente, pelos próprios moradores do aglomerado. De fato, ela é preferida pelos carros dos bairros de classe média próximos.

De 2005 é também o Programa Melhoria da Mobilidade para Moradores de Vilas e Favelas de Belo Horizonte, que, devido à impossibilidade de acesso do ônibus convencional às ruas e vielas estreitas das favelas de BH, propôs uma solução: linhas de micro-ônibus a tarifas acessíveis para conectar vilas e favelas ao sistema de transporte coletivo. Hoje, apesar dos últimos aumentos, o preço é R$ 0,90.

BH tem 13 linhas do Amarelinho, como é conhecido pelos moradores, sendo três delas no aglomerado da Serra. Sua demanda de passageiros é maior que a de muitas linhas do sistema convencional, segundo a BHTrans. Quatro desses Amarelinhos se conectam ao metrô, aumentando o alcance a regiões distantes. Chega-se mais rápido a mais lugares, dando maiores chances de empregos, acesso a serviços e lazer. Mas, como de costume, o serviço é insuficiente: faltam linhas e sobra lotação nos veículos.

Em 2016, a Associação dos Arquitetos sem Fronteiras, em parceria com a Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público, começou o projeto Diálogos Comunitários, com recursos obtidos em editais. A ideia é construir, por meio do diálogo e da iniciativa dos moradores, soluções conjuntas para demandas de comunidades vulneráveis. Foi assim que os moradores das vilas da Serra falaram da necessidade de uma nova linha do Amarelinho que os conectasse ao comércio e à rede de transportes da região Leste e fizesse a avenida do Cardoso cumprir sua função. Assim, o Tarifa Zero BH foi convidado a pensar soluções coletivamente.

Foram meses de reuniões, mobilização, visita a comércios, coleta de assinaturas e experimentações: um ônibus gratuito fez o trajeto proposto, entre a praça do Cardoso e o metrô Santa Tereza, em dois sábados, para que todos os moradores da região pudessem testar e viver a nova linha, que ganhou o nome “Busão da Comunidade”. A notícia se espalhou pela cidade. E chegou à BHTrans. Questionada pela imprensa, ela respondeu que, veja só, já seria criada uma linha para o tal trajeto! A proposta é uma linha suplementar entre o Esplanada e o Buritis, que incluiria em seu longo itinerário as avenidas Mem de Sá e Cardoso.

Entre as possibilidades, essa é apenas a menos pior. A ideia de uma linha de ônibus suplementar, que começa e termina em bairros afastados do Serra, diminui a frequência e aumenta a lotação do serviço, repetindo a lógica de precarização do sistema de transporte. Mas a maior diferença está no preço: R$ 4,05, um valor muito alto para qualquer um que pretenda se locomover na cidade, abusivo para os moradores da comunidade e inviável para integração com o metrô, que custa R$ 1,80.

O problema, novamente, está na concepção de sistema de transportes pelo governo. A BHTrans parece não perceber que sua política aumenta a segregação espacial e que comunidades de baixa renda precisam de integração rápida e barata com todas as regiões da cidade. A parca política para vilas e favelas precisa ser fortemente ampliada. Uma cidade que impede seus cidadãos, principalmente os de baixa renda, de se divertir, estudar, trabalhar, a que serve?

A demanda por uma linha eficiente e acessível, capaz de ligar uma das comunidades mais importantes da cidade a outras regiões e serviços, é latente. Muita gente está mobilizada para a criação do Busão da Comunidade, o que precisa crescer. Nesta sexta-feira, dia 20, será feita uma visita à BHTrans para exigir uma reunião com o atual presidente Célio Bouzada, além de entregar o projeto e as mais de 4.000 assinaturas coletadas. Venham e ajudem a divulgar!

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