ROBERTO ANDRÉS

Abrir as portas da prefeitura

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 23 de junho de 2016 | 03:00
 
 

Inaugurado em 1938, o edifício da prefeitura de Belo Horizonte é um exemplar importante da arquitetura Art Déco. A sede do poder público municipal foi projetada pelo arquiteto Raffaello Berti, autor de obras como a Santa Casa e o extinto Cine Metrópole. O saguão de entrada, acessível pela avenida Afonso Pena, foi concebido para receber o público. É amplo, iluminado e elegante.

Pena que não seja mais usado. Nos últimos anos, quem passou pela Afonso Pena viu correntes e grades aos montes, como se ali fosse uma prisão de segurança máxima. O caráter público do edifício estava descaracterizado. Sabemos que a preservação de um patrimônio está relacionada a seu uso. O prédio da prefeitura é tombado, mas seu acorrentamento o torna um bem vazio.

Uma breve visita às fotografias do Google Maps mostra que a mudança é recente. Ainda em 2009, havia um jardim sobre vasos na escadaria e as portas eram acessíveis. O espaço era digno da função que o prédio ocupa. Ao longo dos anos, foi se intensificando o fechamento, em uma mímese da ausência de diálogo da atual gestão.

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Em março deste ano, um artigo neste mesmo jornal denunciou a situação. Ponto! Depois de 5 anos, a prefeitura retirou uma corrente e abriu uma das portas, no canto direito. Em seguida respondeu ao jornal, afirmando que o prédio está aberto e que qualquer um pode entrar. Só que é mentira. Depois da porta há uma portaria tosca e improvisada, que barra a entrada de quem não é funcionário ou não está indo a alguma reunião. Ou seja, 99,99% da população.

 

Até a década de 1980, o saguão do prédio era usado para atendimento ao público. Funcionários se lembram desse período com nostalgia, pelo uso intensivo do prédio. Em um vídeo, Núbia Costa Telles rememora que ali “tinha movimento o dia inteiro, parecia um mercado.” Parecer um mercado talvez seja a maior aspiração que um edifício público pode ter. Afinal, eles existem para serem usados.

Em 2006, foi feita uma reforma no espaço. O prefeito era Fernando Pimentel, e a estratégia, a de transformar edifícios históricos em “espaços de cultura”. Além do hall como lugar expositivo, foram construídos um auditório, cafeteria e salas multi-uso. Embora pareça haver aí boas intenções, é preciso ter claro o quanto há de elitismo nessa concepção de cultura, a que a maior parte das pessoas nunca tem acesso. Esse espaço cultural uma única exposição, sendo em seguida fechado pelas correntes da gestão de Márcio Lacerda.

Nas prefeituras de diversas cidades do mundo, as pessoas podem entrar, visitar e até realizar casamentos, criando uma relação afetiva entre o edifício e os munícipes. E qual seria a vocação do prédio da PBH? Para além de espaço cultural elitizado ou do fechamento aborrecido, acredito que ele deveria ser um centro de cidadania e controle social do poder público. O saguão teria exposições permanentes, não da alta cultura, mas de questões centrais na vida da cidade: mobilidade, moradia, águas, espaços públicos, lixo, abastecimento.

As metas e resultados da gestão estariam expostas em painéis eletrônicos na entrada, para acompanhamento rotineiro da população. Um espaço lúdico e agradável fomentaria a participação radical nos programas de governo, em que cada pessoa poderia votar e opinar em cada ação. As mesmas interfaces estariam disponíveis na internet, mas ganhariam materialidade no edifício e em outros espaços distribuídos nas nove regionais.

Mensalmente, a prefeita ou prefeito desceria de seus tamancos e iria conversar com a população, no saguão. O encontro seria transmitido ao vivo e projetado do lado de fora. A Afonso Pena seria fechada para automóveis todos os fins de semana, e a grande vida de lazer que a ocupasse se conectaria a esse espaço de cidadania. O jardim de plantas retornaria à escadaria, agora com uma dinâmica de doação de mudas para as pessoas plantarem pela cidade.

Urge trocar correntes, grades, cadeados, catracas e portarias por acessibilidade, transparência, diálogo, escuta, participação.