ROBERTO ANDRÉS

Cocô

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 09 de agosto de 2018 | 03:00
 
 

O governo federal editou uma medida provisória (MP 844/2018) que institui mudanças na gestão do saneamento básico no país. Entre seus pontos estão a obrigação de licitação para prefeituras contratarem os serviços de saneamento, novas atribuições para Agência Nacional das Águas (ANA) e estímulo à privatização das companhias estaduais de saneamento – como a Copasa.

Volta e meia, a privatização aparece como panaceia para os males do setor público. Argumenta-se que os investimentos privados aumentarão os recursos e que uma gestão mais eficiente melhorará os serviços. Convém entender porque isso não acontece tantas vezes.

No caso do saneamento, há municípios superavitários (onde o Estado já fez investimentos) e há aqueles que ainda demandam muitos investimentos. Hoje, no balanço das estatais, uns compensam os outros: os recursos que sobram de um lado são utilizados para se investir no outro.

Se a licitação passar a ser obrigatória, é evidente que as empresas privadas disputarão os municípios superavitários, deixando os deficitários para as estatais. Estas, por sua vez, terão menos recursos para investir. Com as estatais enfraquecidas, aumentará a pressão para privatização dessas empresas.

Desde a sua privatização parcial, em 2003, a Copasa distribuiu mais de 1,7 bilhão de reais a seus acionistas. O valor seria suficiente para construir pelo menos 10 estações de tratamento de esgoto de alta capacidade e é maior do que todo o investimento nas mais de 100 obras que estão sendo executadas pela companhia.

Há um descompasso evidente. Como é possível que se distribua lucro se há uma carência gigantesca no saneamento no país, que ainda não trata cerca de 60% do esgoto produzido? Os objetivos de uma empresa pública (universalização do acesso, acessibilidade das tarifas, investimentos de longo prazo) chocam-se com os de uma corporação de capital aberto (maximização dos lucros).

A ideia de que o “livre mercado é mais eficiente” costuma pautar o senso comum, mas ela nem sempre vence a prova dos fatos. Ainda mesmo porque não é possível haver “livre mercado” na concessão de bens essenciais que só podem funcionar em regime de monopólio.

Veja-se o caso da Sabesp, em São Paulo, que em tempos de crise hídrica ofertou descontos de até 50% para empresas com grande consumo. O desconto poderia fazer sentido para um fabricante de chicletes, mas é um despropósito na gestão das águas – em que se objetiva a contenção do consumo para garantir o fornecimento.

A busca pela maximização dos lucros somada ao monopólio tende ao aumento desproporcional dos preços, sem que os consumidores tenham alternativas. Por essas razões, centenas de cidades mundo afora têm remunicipalizado o saneamento e o fornecimento de água. De 2000 a 2015, foram 235 casos, segundo um estudo internacional. Cidades que haviam privatizado seus serviços, como Atlanta, Berlim, Bogotá, Buenos Aires, Budapeste, Nice e Paris retomaram o fornecimento público de água e saneamento.

Em Paris, uma auditoria mostrou que as concessionárias maquiavam custos para justificar tarifas até 30% acima do contrato. A remunicipalização, em 2010, permitiu uma economia de 35 milhões de euros no primeiro ano. Mesmo nos Estados Unidos a tendência tem sido pelo saneamento público. Uma pesquisa feita pela ONG Food & Water Watch, em dezoito cidades americanas, encontrou uma redução média de 21% nas tarifas com a remunicipalização.

A abordagem do governo Temer, o mais impopular da nossa história recente, fecha os olhos para a falência do modelo privado de saneamento, mas pode ser bem-sucedida em seu objetivo de abrir um novo filão de exploração para a elite econômica que, certamente, não resolverá problema algum.

Há muito a avançar no saneamento no país, mas isso passa por aumentar o controle social, a transparência e a destinação de recursos públicos para os investimentos que façam com que o cocô nosso de cada dia não vá parar nos rios. Não há livre mercado possível nesse ramo, embora seja necessário superar os vícios autoritários e burocráticos do modelo estatal.

A experiência internacional mostra que é a gestão pública democrática, participativa e eficiente que pode erradicar um dos problemas mais graves do nosso país.