ROBERTO ANDRÉS

Confiança cidadã

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 21 de dezembro de 2017 | 03:00
 
 

O tema da corrupção ocupou as mídias, as redes e os almoços dominicais no Brasil dos últimos anos. Há quem acredite que operações como a Lava Jato podem erradicar a corrupção do país. De outro lado, há quem afirme que o combate à corrupção é “moralismo”, uma pauta menor frente aos desmandos oficiais das elites.

Para além dessa guerra de posições, seria preciso colocar a cabeça para fora do mar de lama e olhar em volta. Afinal, como a apropriação privada de bens públicos surge, em que contextos se fortalece, como se relaciona com outros aspectos sociais, econômicos e culturais?

Em um artigo recente, entrei nessa seara. Estudei autores que tratam do tema e estratégias de combate à corrupção ao longo do tempo em vários países. A primeira notícia ruim é que a corrupção é resiliente: poucos países conseguiram melhorar seus índices em décadas pesquisadas.

A explicação para isto passa por uma relação intricada entre corrupção, desigualdade e confiança, traçada pelo cientista político Eric Uslaner. Para ele, confiança social e corrupção estão em polos opostos na escala de valores. A confiança está na ponta de um espírito de cooperativismo, enquanto a corrupção expressa uma cultura individualista. Já a desigualdade reduz a confiança, na medida em que torna a sociedade menos coesa.
 
A desigualdade geraria, portanto, desconfiança, que levaria à corrupção. Como a corrupção tira recursos do Estado, que poderiam ser investidos em redução da desigualdade (educação, saúde, programas sociais), cria-se aí um ciclo vicioso que Uslaner chama de “armadilha da desigualdade”.

Já o cientista social Robert Putnam demonstra, em diversos estudos, como a confiança social advém da cidadania. Quanto mais as pessoas participam de associações, cooperativas, movimentos sociais, mais confiança têm nas outras. Olhar no olho, encontrar presencialmente com um propósito coletivo, são chaves nesse processo.

No início do século 19, a Dinamarca era um país arrasado por uma guerra contra os ingleses, pobre e desigual. Um forte movimento de cooperativas e associações re-estabeleceu o país e cunhou a cultura de confiança social que é hoje uma das maiores do mundo.

Economistas não conseguem explicar como um país sem recursos naturais fartos e com um Estado de bem estar financiado por uma carga tributária altíssima (49%) possa estar entre os mais ricos do mundo. No jargão do economês, esse país não estimula a competitividade. Para o professor Gert Svendsen, a chave do modelo dinamarquês está na confiança social, que reduz custos de fiscalização e controle, torna as pessoas mais cooperativas, felizes e eficientes.

Aí vem a segunda notícia ruim: o Brasil tem uma das piores taxas de confiança social do mundo. Apenas 7% dos brasileiros acredita que os outros são em geral confiáveis. Menor confiança social encontra-se apenas em Trinidade e Tobago, Colômbia, Filipinas e Gana.

A terceira notícia ruim é que a desigualdade tem aumentando por aqui, apesar da redução da pobreza nos últimos anos: 1% das pessoas mais ricas já têm mais de 30% da renda no país. Não há ingenuidade aqui. Para abocanhar essa riqueza, a elite oligárquica se vale de conluios “legais” e “ilegais” com o Estado. A carga tributária injusta, que taxa muito os pobres e muito pouco os ricos, é um dos métodos “legais” de manutenção da desigualdade.

Mas isto não quer dizer que a corrupção “ilegal” não mereça ser combatida. Não há sociedade justa e solidária que se estabeleça em um contexto de desconfiança e do “cada um por si”. O problema é que colocar políticos e empreiteiros corruptos na cadeia, embora seja correto, não resolverá o problema. Muita punição não significa pouca corrupção.

A boa notícia é que a trilha está a nossos pés. Reduzir a desigualdade é uma tarefa urgente, hercúlea e que passa pela recomposição do campo político. Aumentar a confiança social não é menos desafiador, mas está acessível para cada um. Criar associações de bairro, se reunir com vizinhos, atuar uma vez por semana em algum projeto de propósito coletivo.

Que 2018 seja de menos intolerância nas redes e mais confiança nas ruas, nas praças, nos bairros. Não há mudança coletiva sem a mudança de cada um.