ROBERTO ANDRÉS

Elefantes brancos

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2017 | 03:00
 
 

Sem tirar as crianças da sala, assistimos nas últimas semanas à série de delações de executivos da Odebrecht. Testemunhos cínicos do submundo do país mostraram em detalhes a relação de promiscuidade entre empreiteiras e políticos, que assalta o Estado brasileiro ao menos desde Juscelino Kubitschek.

Não que essa prática seja novidade para alguém, mas as delações dão nomes (e números) aos bois. Aécio Neves teria recebido R$ 5 milhões da Odebrecht como propina pela obra da Cidade Administrativa. Marcio Lacerda, outros tantos milhões em caixa 2 nas eleições de 2012. A lista é enorme e atinge os principais políticos de PMDB, PSDB, PT e satélites.

Para além das polarizações entre “Estado” e “mercado”, direita e esquerda, que costumam pautar os debates ideológicos, o que vemos é o contumaz conluio entre Estado e mercado para o enriquecimento ilícito de meia dúzia de oligarcas. Tudo viabilizado por uma casta política de amplo espectro ideológico.

A Odebrecht comprava deputados e senadores para aprovar projetos de lei que reduziam seus tributos e, consequentemente, a arrecadação do país. Somente em desonerações obtidas por medidas provisórias sugeridas ao então ministro Guido Mantega, o Estado brasileiro deixou de receber da empresa R$ 8 bilhões nos últimos anos.

O valor seria suficiente para reflorestar metade do Estado de Minas Gerais. Ou para construir: 160 mil casas populares; 153 estações de tratamento de esgoto; 32 mil quilômetros de ciclovias; 40 quilômetros de metrô. Carências urgentes que poderíamos suprir se os recursos públicos não fossem surrupiados.

Em seu depoimento, Emílio Odebrecht banca o consciencioso. Com ares de enfado, sugere que o problema está na classe política e que a empreiteira se sujeitava a essas práticas a contragosto. Faltou dizer que sua empresa ficou bilionária graças à corrupção, tendo, inclusive, criado um departamento sofisticado para gestão de propinas.

Se os esquemas de corrupção minam recursos públicos valiosos, é preciso dar o passo atrás e questionar a própria pertinência das obras realizadas. Há anos essas construtoras operam como lobistas do desenvolvimentismo trágico no Brasil, empurrando goela abaixo obras desnecessárias, caras, de alto impacto social e ambiental.

Afinal, o que foi a Cidade Administrativa do Estado de Minas Gerais senão um grande escoador de propinas e um monumento de marketing político? A um custo de mais de R$ 2 bilhões, está na contramão de todas as boas práticas de arquitetura e urbanismo, como pulverização urbana, diversidade de usos, relação com os meios naturais etc.

Quando um viaduto caiu em BH, em meio à Copa de 2014, escrevi que passaríamos melhor sem aquela obra, que gerava grande impacto e quase nenhum benefício. Quase três anos se passaram, e o trânsito no entorno não sente falta. A série de viadutos na cidade soterrou nascentes, derrubou árvores, matou comércio de rua e vida de bairro – e não melhorou o trânsito. Obras do mesmo tipo foram tocadas em tantas cidades brasileiras e precisarão ser revertidas quando a sociedade desejar retomar as cidades para as pessoas.

E o que foi Belo Monte, esse projeto bilionário advindo do governo militar e levado adiante por Dilma Rousseff, que irrigou com 1% de propina políticos de diversos partidos? Uma hidrelétrica de capacidade de geração de energia questionável, que destruiu a vida de populações ribeirinhas e indígenas e todo um ecossistema em torno do rio.

Reza a lenda que Mario Henrique Simonsen, ministro dos governos militares, teria entre suas frases espirituosas a seguinte: “No Brasil, é melhor pagar os 10% de comissão para os corruptos e não tocar a obra, pois assim economizaríamos os outros 90%”. Independentemente da origem, a frase é certeira.

A Lava Jato é uma operação importante, mas certamente não resolverá o problema da corrupção no país. Até porque o desenrolar do novelo deveria chegar ao Judiciário. A sociedade organizada precisa dar um basta nas práticas atuais e refundar o pacto político, mas isso parece distante. Até lá, seria melhor mesmo distribuir somente as propinas e deixar de fazer as obras. Nossas cidades e nosso ambiente sairiam ganhando.