Roberto Andres

Arquiteto-urbanista, professor da UFMG e editor da revista PISEAGRAMA; o colunista escreve quinzenalmente às quintas-feiras

Izidora contra a injustiça

Publicado em: Qui, 13/10/16 - 03h00

Duas dúzias de pessoas com vestes estranhas. Capa preta e um colar vermelho de tecido, com uma vassourinha na ponta. Não sentem calor? Há algo de conde Drácula na cena. A data é 28 de setembro, e o sol da primavera já esquenta as ruas. O assunto: o despejo das ocupações urbanas Rosa Leão, Vitória e Esperança, na região Norte de BH.

Nas ocupações, vivem mais de 8.000 famílias, em 5.000 casas construídas em alvenaria. Gente simples, que não tem outro lugar para morar. Pois os 19 desembargadores aptos a votar decidiram que eles devem ser despejados, e autorizaram a polícia a mandar ver.

Os desembargadores, não bastasse seus salários de mais de R$ 25 mil, recebem auxílio moradia de R$ 4.377,73. Mas acham por bem despejar pessoas que não têm para onde ir, cuja única alternativa foi a ocupação urbana. Pouco importa se ali vivem idosos, mulheres, crianças que vão resistir ao despejo. Pouco importa se podem estar promovendo uma grande chacina.

A região do movimento Izidora configura hoje um dos maiores conflitos fundiários do país. Mais de 30 mil pessoas lutam pelo direito à moradia, enfrentando grandes interesses econômicos. Em meio a isso tudo, está um parque urbano gigantesco e um poder público que parece disposto a dobrar a lei e o interesse coletivo para atender a poucos.

O direito à moradia é previsto na Constituição. No entanto, o poder público está longe de sanar o déficit habitacional. Na região metropolitana de Belo Horizonte, são 148 mil famílias sem moradia digna, segundo o IPEA. No ritmo atual, quem está no fim da fila aguardará uns 175 anos para conseguir a casa própria.

A falta de regulação gerou uma grande distorção no mercado imobiliário. De 2008 a 2013, a média da inflação no país foi de 39,67%. No mesmo período, os aluguéis subiram cerca de 100% em muitas cidades. Para quem não recebe auxílio moradia de juiz, isso gerou um aluguel impagável. As pessoas foram expulsas de suas casas, e o que restou foram as ruas ou ocupações.

O Estatuto da Cidade, lei federal, prevê que a terra deve cumprir função social. Quando famílias ocupam terrenos que estão há anos abandonados, fazem valer essa função. A solução pelo Estado não deve ser o despejo, mas a desapropriação em prol de programas habitacionais.

Na região da Izidora, a PBH instituiu uma grande operação urbana – um instrumento de regulação especial das normas de construção no território. O projeto está repleto de irregularidades que beneficiam os proprietários dos lotes e prejudicam o interesse coletivo.

Dissimula contrapartidas, reduz investimentos em equipamentos públicos e tende a transformar a região em um grande condomínio desprovido de infra-estrutura, um gueto de baixa renda, favelizado e precário (leia relatório completo produzido pelo Grupo Indisciplinar da UFMG: https://goo.gl/tRHFPK).

A prefeitura poderia desapropriar o terreno e fazer um programa habitacional em diálogo com entidades sociais. Poderia, junto com universidades, garantir a preservação de córregos e áreas verdes, e ainda tratar esgoto, produzir energia solar, criar urbanidade. Qual dos candidatos a prefeito tem uma proposta digna e satisfatória para Izidora?

Em sua campanha para governador, Fernando Pimentel prometeu zerar o déficit habitacional em Minas. Já eleito, autorizou a Polícia Militar (PM) a agir de forma violenta contra a população das ocupações, que fazia uma manifestação pacífica. Os relatos são espantosos. Crianças gravemente feridas, idosos agredidos, mulheres grávidas machucadas, famílias inteiras violentadas e humilhadas.

O despreparo do governo do Estado e da PM para lidar com a situação baseou decisão do STJ para barrar o despejo em 2015. Um ano depois, os 19 desembargadores de toga e auxílio moradia decidiram que o despejo poderia ocorrer. O despreparo da PM não mudou.

Infelizmente, o que se vê é uma disputa injusta entre pessoas em busca de direitos básicos e um Estado que se recusa a cumprir suas obrigações. Os moradores não têm alternativas e pretendem lutar por seus direitos. Atacá-los com bombas é tragédia na certa. O governador não vai zerar o déficit habitacional aniquilando as pessoas, mas construindo casas. 

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