Roberto Andres

Arquiteto-urbanista, professor da UFMG e editor da revista PISEAGRAMA; o colunista escreve quinzenalmente às quintas-feiras

Meio ambiente, luxo e pipoca

Publicado em: Qui, 26/01/17 - 02h09

“No Parque Municipal você encontra, não me leve a mal, uns pipoqueiros horrorosos, coisa da pior qualidade. Mas pobre gosta de luxo e paga pelo luxo. Temos que chamar a população para esse espaço.” Com esse tipo de fala, o novo secretário de Meio Ambiente de BH concedeu uma entrevista recente, a este jornal.

Difícil seria começar pior. A avalanche de jargões e preconceitos convivem, na entrevista, com uma notável falta de conhecimento sobre os assuntos tratados. Como a pipoca que se vende nos parques é muito parecida com a da porta dos cinemas, entende-se que o adjetivo “horroroso”, usado pelo secretário, diz respeito às pessoas que vendem pipoca. “Coisa da pior qualidade”, também.

A afirmação de que “pobre gosta de luxo” cria uma categoria estereotipada, “os pobres”, que o novo secretário vê à distância e se mete a vaticinar suas preferências. Insinua que a população não frequenta o parque municipal, o que não é verdade. Se Mario Werneck fosse ao espaço nos finais de semana, veria uma grande utilização popular. São mais de 500.000 visitas por ano.

Ao dizer que os pobres “pagam pelo luxo” e que “temos que chamar a população”, faz-se crer que as pessoas gostariam de pagar para entrar no parque. A ideia é jogada ao ar, sem nenhum estudo, e sem haver nenhuma referência de parque público relevante que cobre entrada – quanto menos o Central Park, de Nova York, citado em seguida.

Nesse momento a entrevista beira o surrealismo. “Aliás, por que tem que se chamar Parque Municipal? Por que não Parque Central? Tipo o Central Park de Nova York. Imagina só: “Onde você mora? Ah, eu moro em frente ao Central Park”. São coisas que valorizam a cidade.” A sugestão de que adotar um nome em inglês “valoriza” algo tem muito de jeca, assim valeria devolver ao secretário sua pergunta: “precisamos ser sempre os cães vira-latas?”.

Não custa explicar que Central Park é um nome comum, banal, que só se tornou uma referência graças às suas qualidades. Uma delas é o tamanho adequado para uma metrópole, de 3,41 km2 – 18 vezes maior que o parque municipal de BH, que foi mutilado por gestões ávidas por asfalto e concreto e perdeu mais de 2/3 de sua área original. Para se ter uma ideia, o Central Park aplicado sobre o mapa de Belo Horizonte resultaria em uma área verde da Rodoviária até a Praça do Papa, como mostra a imagem produzida por Tande Campos.

Além disso, o Central Park fica aberto 24 horas por dia. Está disponível na hora em que a maior parte das pessoas não está trabalhando, por isso atrai tanta gente. O Parque Municipal pode ter o nome que for, mas se continuar a fechar às 18h não vai servir à população na hora em que ela mais poderia usufruir.

Como aponta Fernanda Regaldo em um ótimo artigo, não faltam referências de parques abertos 24h mundo afora, do Hyde Park, em Londres, aos Bosques de Palermo, em Buenos Aires, do Parque Rodó, em Montevideo, ao Parque Farroupilha, em Porto Alegre. Abrir os parques de Belo Horizonte no período noturno se faz urgente para, nos termos dela, “resgatar a exuberante fauna humana que hoje fica confinada, após as 18h, nos shoppings centers.”

Em setembro de 2012, o Parque Municipal não mudou de nome, mas ficou aberto por 24 horas. O evento Noite Branca não teve luxo, mas intervenções de artistas da cidade, sem nenhum nome famoso. Não se cobrou entrada. O resultado: mais de 100 mil pessoas visitaram o parque em uma única noite, o que mostra a altíssima demanda por espaços de lazer no período noturno.

A melhoria das áreas verdes não passa pelo luxo, pela mudança de nome ou pela exclusão de “mendigos e gatos”, como quis sugerir o atabalhoado secretário. Passa pela ampliação dos horários de abertura, pelo aumento da equipe da Fundação de Parques e Jardins, hoje sucateada, pela conexão dos parques por ciclofaixas nos finais de semana, pela articulação com atividades culturais, utilizando leis de incentivo para trazer mais eventos para essas áreas.

Pela criação de restaurantes e equipamentos dentro do parque, sim, mas populares, com preços acessíveis, como são os melhores bares que fizeram dessa cidade uma referência de lazer noturno. São os pobres de espírito que dão tanto valor ao luxo.  

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