Sandra Starling

Sandra Starling é advogada e cientista política e escreve às quartas-feiras

A qualidade do ensino de história nas academias militares

Publicado em: Qua, 24/04/19 - 03h00

Parafraseando Raul Seixas, confesso, abestalhada, que estou decepcionada com a qualidade do ensino de história nas nossas academias militares. Se o presidente da República, um capitão do Exército reformado, diz que o nazismo foi um movimento de “esquerda”, há algo de errado na sua formação. Que tipo de doutrinação andariam a propagar em nossos colégios e academias militares, a ponto de o comandante supremo das Forças Armadas sair com uma aberração dessas?

Às vésperas das comemorações de mais um Dia Internacional do Trabalho, quem quer que queira se inteirar dos eventos que se sucederam após o 1º de maio de 1933, na Alemanha, verá o quão equivocado está o presidente e o quão perniciosa para a formação de nossa juventude, especialmente dos aspirantes ao oficialato, é a sua percepção daquela época. A destruição dos sindicatos na Alemanha foi planejada e empreendida por nazistas diretamente ligados a Hitler: Reinhold Mochow, Robert Ley e Joseph Goebbels.

No dia seguinte às comemorações do “Dia do Trabalho Nacional”, esquadrões da SA e da Organização Nacional-Socialista das Células de Fábrica ocuparam os sindicatos social-democratas, influenciados pelo Partido Socialista da Alemanha (SPD), espancaram e prenderam militantes e funcionários, confiscaram ativos e destruíram instalações. E os comunistas? As perseguições já haviam se iniciado alguns dias antes do incêndio do Reichstag, levado a efeito pelo jovem holandês Martinus van der Lubbe, em 27.2.1933. No dia 24, Hermann Göring determinara à polícia invadir a sede do PC, localizada na Karl Liebknecht Haus, em Berlim. Depois, os comunistas foram totalmente desbaratados, mesmo a polícia sabendo que Lubbe agira como “lobo solitário” e que havia rompido com o PC holandês em 1931.

Sou entusiasta da capacitação acadêmica de instituições militares de ensino, como o Instituto Militar de Engenharia (IME) e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), para não falar do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Politécnica da USP, mantido em convênio com a Marinha do Brasil. São organizações de excelência no ensino tecnológico. Mas, francamente, a formação do militar brasileiro na área de humanidades deixa a desejar. Dá o que pensar a afirmação da historiadora francesa Régine Robin, da Universidade do Quebec, estudiosa do nazismo, para quem “as autoridades brasileiras ou são ignorantes, ou imbecis, ou manipuladoras.”

O problema é que se cogita do aproveitamento em larga escala de militares da reserva para dar aulas de moral e cívica em escolas públicas ditas cívico-militares. Não sei se pode estar habilitado para dar aula dessa disciplina quem não possui uma bagagem acadêmica consistente no domínio dos eventos históricos. Ou que, ante o execrável massacre de um músico e um catador de papéis que sai em seu auxílio, só tem a dizer que tudo não passou de um “lamentável incidente”.

 

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