Sandra Starling

Sandra Starling é advogada e cientista política e escreve às quartas-feiras

O lucro que move montanhas de lama

Publicado em: Qua, 13/02/19 - 02h00

O “Wall Street Journal” publicou, recentemente, uma reportagem, segundo a qual funcionários da Tüv Süd Brasil – aquela instituição externa encarregada de monitorar a segurança da barragem de Córrego do Feijão – haviam atuado também como consultores da Vale, o que configuraria conflito de interesses. A conferir.

Em uma de suas primeiras entrevistas após a tragédia, o presidente da Vale parecia estufar o peito ao falar da reputação da Tüv Süd no campo das auditorias independentes.

Recorri, então, ao site da Deutsche Welle para apurar algumas informações sobre a Tüv Süd. De acordo com a DW, a Tüv Süd não é uma entidade de auditagem independente, mas, sim, “um empreendimento que trabalha por dinheiro”, com faturamento anual de 2,4 bilhões de euros.

A conceituada agência de notícias alemã lembra que a Tüv foi fundada em 1866 como uma associação de certificação de caldeiras a vapor e que, desde então, atuaria sob o mote “independente e neutra”, certificando produtos com “segurança e qualidade, segundo critérios definidos”. Durante muito tempo, veículos só puderam circular por vias alemãs se tivessem sido previamente aprovados pela Tüv, cuja isenção não era posta em dúvida.

Ocorre – diz a Deutsche Welle – que a TÜV, originalmente uma entidade sem fins lucrativos, não existe mais. Ela foi desmembrada em diversos empreendimentos econômicos sob a forma de sociedades anônimas: a Tüv Süd, a Tüv Nord, a Tüv Rheinland, a Tüv Hessen, entre outras, que concorrem no mercado de certificação. Todas, segundo a DW, precisam fazer lucro. Desde então, avolumam-se denúncias, mundo afora, segundo as quais essas empresas já não mais levam em consideração a questão da segurança em suas atividades.

Em novembro de 2018, a Tüv Rheinland foi condenada pela Justiça francesa a indenizar mulheres que fizeram uso de um silicone para implantes mamários que se mostraram, posteriormente, nocivos à saúde e que haviam sido certificados pela TÜV Rheinland. Valor da indenização: 3 milhões de euros.

Não sei como a “Folha de S.Paulo” teve acesso ao laudo da Tüv Süd, pois a Agência Nacional de Mineração não estava divulgando os dados da inspetoria que, em meados de 2018, a empresa teria realizado na barragem de Brumadinho. Alegava, estranhamente, que “os documentos do processo minerário são sigilosos, em obediência à Lei de Propriedade Industrial”. Fui, por um tempo, presidente da comissão que elaborou esse diploma legal e não me recordo de nada em específico que trataria desse sigilo.

Fica claro, pelo menos, que “critérios definidos” de segurança têm levado em conta, sobretudo, interesses econômicos, em prejuízo da neutralidade e independência. Se a situação da barragem era preocupante, por que não recomendaram, cautelarmente, a imediata interdição e evacuação? Medo de perderem o contrato? A aplicação da ciência à produção se entrelaçaria com a necessidade de faturamento?

Como afirmou Elio Gaspari, isso só evidencia o quanto o Brasil anda precisando, urgentemente, de uma “operação Lama Jato”.

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