Sandra Starling

Sandra Starling é advogada e cientista política e escreve às quartas-feiras

O 'mito' nos deve explicações

Publicado em: Qua, 23/01/19 - 02h00

Circulando pelas ruas, percebo que a grande maioria dos decalques em cor verde-oliva, ou de bandeiras do Brasil, que adornavam os veículos durante o período eleitoral, já foi retirada. Parece que muitos apoiadores da gestão federal recém-inaugurada encontram-se com um travo amargo na boca.

Não é possível precisar a causa disso. Houve muita “bateção de cabeça” na transição. Muita trombada e afronta à autoridade presidencial nos primeiros dias. Acho que nem no período do Diretório, após a queda dos jacobinos, na Revolução Francesa, houve tanta confusão. Os motivos podem ser muitos. De toda maneira, no fundo mesmo, existe uma sensação de que coisas precisariam ser explicadas por quem prometeu transparência.

Os “rolos” de Fabrício Queiroz crescem, e mais gente vai ficando enrolada nesse quiproquó. Quem, ao longo da Nova República, tanto se cansou das tenebrosas transações sistêmicas quer conhecer a verdade porque, como alardeado durante a campanha eleitoral, a verdade deveria nos libertar. Mas a verdade vai ficando postergada e não se sabe aonde isso vai chegar. Nesse particular, minha curiosidade fica atiçada, querendo entender como alguém como Queiroz consegue ser atendido no hospital mais caro do país.

Em outra seara, vimos o general Augusto Heleno chegando a divulgar planos de voo com transbordos aqui e reabastecimentos acolá para explicar o retorno de Cesare Battisti à Itália. Só não conseguiu explicar como a Polícia Federal deixou que ele cruzasse a fronteira com a Bolívia, quando era de obviedade ululante que ele procuraria abrigo naquele país. Como, também, não soube explicar por que, ao fim e ao cabo, o condenado seguiu direto de Santa Cruz de la Sierra para território italiano.

Já Sérgio Moro, neófito na temática de segurança pública, vacilou na prestação de auxílio ao Estado do Ceará no combate às facções criminosas. Só não explicou como isso pôde ocorrer, quando o general que é responsável pelo setor de segurança pública em sua pasta não só é cearense como foi candidato ao governo do Estado do Ceará nas últimas eleições, tendo sido derrotado pelo atual governador. Será que queriam fazer retaliação política, usando como arma a sensação de insegurança da população? Custo a crer. Mas que isso merece uma explicação merece.

De um ex-ministro da Fazenda e do Planejamento em administrações petistas, Nelson Barbosa, em sua instigante “Carta ao povo petista” (“Folha de S.Paulo” de 18.1.2019), vem, como diria Drummond, um “claro raio ordenador”. Em meio ao que chama de “bizarrices ideológicas, indefinições políticas e erros administrativos” de Bolsonaro, adverte Barbosa que, “quando o vidro quebrar, isso prejudicará a todos”. Para começar, sugere às oposições, em vez da aposta no caos, pensar numa alternativa consistente de reforma da Previdência. Para mim, a velha regra da justiça distributiva de Aristóteles pode servir de bússola, pois, como diz Barbosa, o governo também terá de explicar “o Frankenstein em elaboração pela dupla Bolso-Guedes”. Diz ele: “A população conta com isso”. E ele está certo.

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