Sandra Starling

Sandra Starling é advogada e cientista política e escreve às quartas-feiras

Quem impede a frente ampla no Brasil?

Publicado em: Qua, 29/08/18 - 03h00

A renúncia do admirável José “Pepe” Mujica ao mandato de senador, tão bem abordada por Acílio Lara Resende, levou-me a refletir sobre a dificuldade crônica de se formar uma coalizão estável de centro-esquerda no Brasil, notadamente quando isso mais se faz necessário. Não falo aqui de uma mera coligação eleitoral. Isso é nuvem passageira. Como diz a canção, vai-se com o vento. Nada retrata melhor essa aberração oportunista que o fato de Arlindo Chinaglia (PT) e Aldo Rebelo (então no PCdoB) terem sido, ambos, eleitos para a Câmara dos Deputados, em outubro de 2006, numa mesma coligação, no Estado de São Paulo, e já em fevereiro de 2007 terem disputado entre si a presidência daquela Casa.

Reporto-me ao que se convencionou chamar de “federação partidária”. Algo capaz de dar coesão programática e de ação aos partidos por pelo menos uma legislatura, ou, talvez, por ciclos políticos de longa duração. O que ou quem impede que isso ocorra? No mundo, o melhor exemplo vem da centro-direita: a coalizão entre a União Democrática Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU), na Alemanha, constituída em 1949 e que persiste até hoje, superando momentos de alguma tensão.

Mujica é membro de uma agremiação política que integra uma federação partidária que vem governando o Uruguai, sem interrupções, desde 2005: a Frente Ampla, que foi criada em 1971. Lá se vai quase meio século. Seu primeiro candidato à Presidência da República, naquele ano, foi o general Líber Seregni. O vencedor daquelas eleições, Juan Maria Bordaberry, passou a governar sob tutela dos militares a partir de 1973. Nessa ocasião, o general Seregni foi preso como “subversivo” e somente veio a ser libertado em 1984. Morreu em 2004 e foi sepultado, por opositores, com honras de chefe de Estado. Vale lembrar que o atual presidente uruguaio, o médico Tabaré Vasquez, da Frente Ampla, filho de operário, carpinteiro na juventude, exerce o cargo, com dignidade, pela segunda vez. Quanta inveja!

A Frente Ampla tem um largo histórico de lutas. Parece que no Brasil ficam todos a depender da previsão legal para tanto. Como se sabe, o Congresso Nacional recusa-se a adotar a federação de partidos no lugar das abomináveis coligações partidárias. Mas o esfacelamento dos atuais partidos e a urgência de construção de um projeto consistente para sairmos da encalacração em que nos encontramos fazem com que a tarefa de construção de uma frente ampla de centro-esquerda seja para ontem. Claro está que no Brasil de hoje isso não se faz pela maldita vaidade de um preso em Curitiba e do séquito de semelhantes a ele, que ocupam o proscênio da tragédia política que vivemos.

E aqui, em Minas, por que não se faz isso? Com a palavra, entre outros, Dirlene Marques e João Batista Mares Guia, que já militaram juntos noutros tempos.

Falta também uma militância de centro-esquerda sóbria, solidária, democrática, permanentemente crítica e, finalmente, proba, capaz de articular as visões estratégicas com as ações táticas que os limites das circunstâncias impõem.

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