SILVANA MASCAGNA

Um filme urgente

Redação O Tempo

Por Da Redação
Publicado em 16 de setembro de 2015 | 03:19
 
 
acir galvão

Desde que estreou, “Que Horas Ela Volta?” não sai do noticiário. Primeiro, porque faz sucesso de público e de crítica tanto aqui quanto lá fora. Segundo, por causa da polêmica que suscitou sobre machismo, quando sua diretora foi impedida de se expressar como gostaria por causa de dois cineastas pernambucanos num evento em Recife. E, terceiro, porque foi escolhido pelo MinC para disputar uma vaga no Oscar do ano que vem.

Para mim, devo confessar, “Que Horas Ela Volta?” é muito mais um poderoso documento histórico do que cinema. Antes que resolvam despejar impropérios e tomates contra a minha pessoa, adianto que isso não diminui o filme, dada a importância de se tratar de temas tão urgentes. Só acho que a mais recente obra de Anna Muylaert é, no meu entender, menos potente, em termos cinematográficos, do que seus trabalhos anteriores.

Não tem, por exemplo, a genialidade, em termos de roteiro e direção, de “Durval Discos”, sua estreia como diretora. Nele, ela acompanha a vida de Durval, um fanático vendedor de vinis que se nega a se render ao CD, e sua mãe, Dona Carmita, que aos poucos vai perdendo a ligação com a realidade. Seria essa a sinopse se Anna não introduzisse no filme a mesma lógica dos bolachões que o protagonista tanto preza: Lado A, mais palatável, e Lado B, mais instigante e obscuro. Assim, “Durval Discos” é, em sua primeira parte, uma competente comédia de costumes e, na segunda, uma crônica de realismo fantástico (ou seria surrealista?). Pra completar, ótimos personagens, interpretados por excelentes atores (Ary França e Etty Fraser).

Em “É Probido Fumar”, Anna propõe algo polêmico, e dele não se pode dizer muito mais para não estragar a surpresa, a não ser que é uma história de amor e cumplicidade. E há, de novo, uma reviravolta que trata de transformar o que seria uma deliciosa comédia romântica em algo muito maior e melhor, que não se encaixa em gêneros. Mais uma vez, ótimos personagens são interpretados por excelentes atores (Gloria Pires e Paulo Miklos).

Nesse sentido, “Que Horas Ela Volta?” segue com a marca da diretora: Regina Casé e Camila Márdila merecem todos os prêmios de atuação. Mas o filme traz o roteiro mais tradicional (linear e sem surpresas) de Muylaert, ao contar a história de uma empregada doméstica que recebe a visita da filha, que ela não viu crescer por estar ocupada demais criando o filho dos patrões.
A potência do “Que Horas Ela Volta?” está na direção, com enquadramentos que vão mudando a partir da chegada da “estrangeira” à casa; na importância de ver ruir aquela estrutura arcaica de relações a partir do surgimento de alguém com autoestima (sim, autoestima, e não má educação, como estão dizendo por aí); na transformação daquela que é tão conformada com sua condição de subalterna, subserviente (ah, a cena da piscina, que belezura!); na patroa que serve de espelho para cada um de nós, brancos, classe média e que tratam suas empregadas como “quase da família”, diante do “novo”.

Todas essas questões ganham relevo, deixando para segundo plano alguns deslizes e até possíveis concessões que faz Anna Muylaert em seu novo filme. “Que Horas Ela Volta?” é importante demais, menos para o cinema, mais para o Brasil.