Tostao

O que somos e para onde vamos?

Publicado em: Dom, 21/12/14 - 03h00

Há quase 20 anos, fui entrevistado por um pesquisador alemão, que, com a colaboração da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fazia um trabalho sobre as razões da grande habilidade e criatividade dos jogadores brasileiros. Ele, nem ninguém, imaginaria os 7 a 1 e que a Alemanha tivesse hoje seis atletas entre os 23 melhores do mundo, enquanto o Brasil só tem um. Uma das conclusões do trabalho, esperada, foi a de que a fantasia brasileira surgia na infância, nos campos de terra, na brincadeira com a bola, sem regras e sem professores. Os grandes talentos, em todas as áreas, costumam ser os que continuam brincando, com seriedade.

Hoje, a maioria dos meninos frequenta as escolinhas particulares, públicas ou dos clubes. Os Zé Regrinhas, em vez de deixarem as crianças descobrirem a intimidade com a bola, tentam ensinar as regras, a técnica, o jogo e como competir, antes de elas terem um desenvolvimento psicomotor adequado.Mesmo assim, temos um grande número de jogadores habilidosos e criativos, mas com pouca lucidez e pouca técnica. Não existe arte nem craque sem ótima técnica. Já os europeus, menos habilidosos, aprimoraram a técnica individual e coletiva. Os grandes jogadores, mesmo quando não brilham, erram pouco. O comentarista Sorín, da ESPN Brasil, após um erro de passe de Kroos, disse, com ironia e criatividade, que a manchete do outro dia já estava pronta: “Kroos errou um passe”. Existe uma antiga discussão se é melhor ter, nas categorias de base, como técnico, um ex-atleta ou um professor de educação física, com formação na área. Não há regras. Há ótimos e ruins treinadores nas duas situações. A maioria dos ex-atletas não se prepara para a nova função. Acha que sabe tudo. Além disso, muitos brilharam nos gramados, sem entender o jogo coletivo. Por outro lado, a maioria dos treinadores acadêmicos tem dificuldade para perceber as sutilezas de uma partida.

A solução para melhorar a formação dos jogadores não é a volta ao passado nem aos campos de terra. Hoje, com ótimos gramados e com mais recursos científicos e tecnológicos, existem muito mais chances de as crianças desenvolverem a habilidade, a criatividade e a técnica, desde que sejam aprendidas no momento certo e que sejam bem ensinadas. O melhor professor é o que ensina o aluno a aprender sozinho. Após a final da Copa de 1970, o cineasta Pasolini disse que a poesia brasileira derrotou a prosa italiana. Na verdade, o Brasil tinha também uma ótima prosa. Hoje, não estamos bem em uma coisa nem outra, não sabemos o que somos nem para onde vamos. Estou de férias.

Homenagens
Nessa semana, fui homenageado pelo Cruzeiro. Senti-me honrado e contente. Na Toca I, inauguraram uma sala com meu nome, a do coordenador da base Raul Plassmann, companheiro na década de 1960 e excepcional goleiro. Na Toca II, deixei a marca de meus pés, no espaço dedicado aos que fizeram mais de 400 jogos e/ou mais que cem gols. Fiz 245 gols em 378 jogos. Encontrei Gilvan de Pinho Tavares animado com 2015. Ele e toda a diretoria entendem minha posição de colunista esportivo, de ter um distanciamento com o clube e de ter a obrigação de ser isento, na crítica e no elogio. Encontrei também Zé Carlos, um dos maiores meio-campistas que vi atuar. Raramente, errava um passe, como Kroos.

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