Tostao

Românticos e pragmáticos

Publicado em: Dom, 04/12/16 - 02h00

A vida acaba, mas renasce nos sonhos de quem vai e nos dos que ficam. “A vida é sonho” (Calderón de la Barca).

Lamentável a conduta do presidente do Inter, que, para aproveitar o trágico momento, quer cancelar a última rodada do Brasileirão, com o objetivo de, no tapetão, como ficou claro em suas palavras, sem dizê-las, fugir do rebaixamento.

A CBF agiu corretamente em adiar a final da Copa do Brasil e a última rodada do Brasileirão. Obviamente, a única partida que não deveria existir é a entre Chapecoense e Atlético. O campeonato tem de terminar. A vida continua, mais triste.

Mais que lamentável, vergonhosa, foi a decisão dos deputados, que, na calada da noite, sorrateiramente, com o objetivo de se protegerem, mutilaram as propostas contra a corrupção, que têm o apoio da maioria da população.

Acabei de ler o ótimo livro “A pirâmide invertida”, escrita pelo jornalista inglês Jonathan Wilson, com a excepcional tradução de André Kfouri. O livro detalha a história tática do futebol, em todo o mundo, de uma maneira técnica e agradável.

O livro cita vários jornalistas esportivos, espalhados pelo mundo, que contribuíram para a realização da obra, como o brilhante Alberto Helena Jr., com quem tive o prazer de conviver em várias copas do mundo. Outro citado é o jornalista inglês Tim Vickery, radicado no Brasil há muito tempo, participante habitual do “Redação SporTV”. Tim, além de profundo conhecedor dos detalhes técnicos e táticos do futebol sul-americano, faz ótimas associações da maneira de jogar com a história política, social e econômica dos países.

O livro disseca o menottismo e o bilardismo. Menotti, técnico campeão do mundo em 1978, pela Argentina, era um romântico, apaixonado pelo jogo bonito, enquanto Bilardo, campeão do mundo em 1986, também pela Argentina, era um pragmático. Dizia que quem quisesse assistir a um espetáculo que fosse a um teatro, frase muito usada por uma geração de técnicos brasileiros. O dunguismo vem do bilardismo. Menotti gostava de futebol, e Bilardo, de vencer.

Existem times e treinadores que não conquistaram muitos títulos, mas que deixaram muitas saudades e ensinamentos, enquanto outros, mais vezes campeões, não deixaram nenhum legado, a não ser um frio número na estatística.

No recente livro que escrevi, dividi, por convicção e por um exagerado didatismo, os últimos 60 anos do futebol em três períodos mais ou menos de 20. O primeiro, entre 1954 e 1974, chamei de encantamento, pelo enorme número de times e jogadores espetaculares, no Brasil e em todo o mundo. O mesmo fenômeno ocorreu em muitas outras atividades, como na música brasileira.

O segundo período, chamado por José Miguel Wisnik de intermezzo, foi de obsessão pela disciplina tática, pela preparação física e pelo jogo programado. Fora algumas exceções, foi uma época de pobreza técnica.

O terceiro período, especialmente os últimos dez anos, foi de conciliação entre a visão romântica e a pragmática, entre o menottismo e o bilardismo. Os dois olhares são importantes e se completam. Isso melhorou o futebol.

Esse confronto de visões tem a ver com a dualidade e as contradições humanas, dividido entre o desejo e a ética, o individual e o coletivo, a globalização e o exacerbado nacionalismo, como temos visto atualmente no mundo.

História

Continuam as comemorações dos 50 anos da Taça Brasil pelo Cruzeiro. Não foi uma conquista qualquer. Foram duas vitórias espetaculares sobre o maior time do mundo, o Santos de Pelé. Além disso, os dois jogos foram surpreendentes. O primeiro, pelo placar totalmente inesperado, 6 a 2. O segundo, pela virada no Pacaembu, onde todos aguardavam uma goleada do Santos. Esse título, junto com a inauguração do Mineirão no ano anterior, simbolizaram um novo tempo. O Cruzeiro passou a ser um time do Brasil e do mundo e foi seguido, anos depois, pelo Atlético.

O presidente do Atlético tem razão em não jogar a última partida do Brasileirão. É o único jogo da rodada que nunca deveria ser realizado, por ser contra a Chapecoense.

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