O TEMPO

A perda e a incerteza

Redação O Tempo

Por Vittorio Medioli
Publicado em 17 de agosto de 2014 | 03:00
 
 

O Brasil perdeu. Não são muitos os políticos que agregam as qualidades mostradas em vida por Eduardo Campos. Além da linhagem do avô, Miguel Arraes, em sua meteórica trajetória se destacava a capacidade de administrar seu Estado, habilitando-o para tarefas maiores.

Fascinantes a atenção e a perspicácia com as quais seguia os temas mais complexos levados pelo visitante. Não delegava o raciocínio, não empurrava para escanteio, assumia quase imediatamente a responsabilidade de responder com clareza.

Não era certamente uma esfinge que, depois de um encontro, deixa mais dúvidas ao interlocutor. Dele se tinha a certeza daquilo que se podia esperar.

Sabia ouvir, questionar, aprofundar, dissecar o assunto, assim como dar seu veredicto correto. A percepção que se tinha era de uma pessoa realmente interessada na solução dos problemas alheios. Desnudava com seus olhos claros o interlocutor, mas sem gerar incômodo. Possuía ainda a humildade e a capacidade de captar com precisão o cerne da questão. Com essas virtudes, tinha mesmo que ter sucesso.

A decolagem de sua candidatura, ele dizia, era questão de tempo. Praticamente desconhecido no Sul e no Sudeste, menos identificado como “oposição”, que Aécio exerceu com afinco nos 12 anos de governo petista, aguardava a oportunidade se apresentar.

Tratava familiarmente os assessores, os envolvia em seus projetos na obstinada luta de “desenvolver Pernambuco”. Enxergava-se nele o treinador do time, a estrela-guia de uma caravana, a autoridade moral, o carismático líder.

A última vez que conversei com ele foi dia 27 de junho, na antevéspera da decisão de lançamento de candidaturas para o governo de Minas. O PSB, ainda sem candidato, e o PHS, partido ao qual sou filiado, negociavam uma aliança “impossível” aqui em Minas, Estado de estrelas como Aécio e Dilma, Pimenta e Pimentel. Por falta de opção, convidou-me a encabeçar a chapa para o governo de uma coligação de “pobres”, com um “socialista” de vice e três minutos de propaganda.

Muitas conversas naqueles dias, e o plano que oferecia era de um palanque respeitoso a Aécio para ele se mostrar serenamente. Depois adotou a linha Tarcísio e também se perdeu um pouco de serenidade.

Ele acreditava que os 3% de intenções que meu nome recolhia seriam suficientes para uma “aposta”, já que 57% dos entrevistados me identificavam como “candidato em quem poderia votar com certeza”, provavelmente por via de jornais populares que fundei e me deram certa notoriedade. Não me fez mudar de opinião a respeito de minha inviabilidade eleitoral, mas deu-me alegria ouvir que tenho “perfil de realizador” que não o envergonharia, ao contrário.

Fiquei desbaratado por alguns dias, sem me reconhecer no espelho, enfim encontrei na sensatez das minhas filhas em pranto constante a decisão de declinar do convite e viajar “com tutti quanti” para a casa de minha mãe. Depois de um bom descanso e muita paz, voltei apaziguado comigo e nunca mais falei com ele.

Meu esforço em Minas desagradaria. Imaginar eu, nascido na Itália, abrindo palanque a um “pernambucano”. Um insulto à mineiridade, me transformaria em traidor, carne fresca para as feras. Ainda mais com a pálida perspectiva de levar ao segundo turno, com os poucos de votos que receberia, a disputa que todos acreditam ganhar no primeiro com larga margem.

Disse a Eduardo nos encontros que tive com ele que apenas poderia forçar a discussão com os demais e levar novas ideias de desenvolvimento ao debate – patrioticamente estimular ideais de justiça e progresso.

Sempre acreditei que o Brasil e Minas, para não se envergonhar, deitados em incalculáveis potenciais, deveriam crescer o dobro de quanto registra a China comunista. Tirar da miséria a população, dar-lhe emprego digno, emancipá-la e dar-lhe acesso à cidadania. Ainda pesa na minha visão a necessidade de exemplos estoicos de dignidade e honestidade, de que carecem gravemente parte dos governantes que se apresentam como donos dos cofres públicos, para os quais, paradoxalmente, nunca contribuíram, e dos quais apenas tiram de mãos cheias.

Eduardo dizia que estava disposto a quebrar o círculo e daria outro impulso ao país. Escutá-lo fazia bem aos ouvidos de quem ama este país.

Deixava claro sua contrariedade a Dilma, citava Aécio com respeito, definia o PT, com quem ele se aliou por longo tempo, como um partido “exaurido”, mas criticava as “vaidades e lutas no ninho tucano”.

Depois de muito namoro com Lula, ele chegava a alterar o semblante ao citar o nome do “pernambucano de Garanhuns” e deixava que seu assessores criticassem “quem chegava em Recife dando ordens” e se “achando o imperador” até Eduardo peitá-lo e vencê-lo nas eleições municipais em 2012.

Um dia antes de morrer, no final da entrevista à Globo News, negou a credibilidade das pesquisas divulgadas até então, afirmou que ele estava com 20% de frente em sua terra e não atrás de Dilma como se estampava.

Marina Silva caiu no quintal de Eduardo como um meteorito. Certamente essa combinação não ficaria apenas nos 9% das últimas pesquisas. Ele contava que seria reconhecido como “o mais preparado”.

Ontem, uma enquete telefônica realizada em BH mostrava Aécio com folgada liderança, Dilma caía ao terceiro lugar e Marina avançava para o segundo. Em Minas, a tendência é de corrosão de Dilma, mas, em outros Estados, Marina estaria corroendo Aécio.

Interessante será ver como as denúncias de conspirações e atentados que pululam nas redes sociais serão interpretadas pelos eleitores.

Se Marina realmente for definida como a candidata do PSB, os sinais são de acirramento da disputa, especialmente com a economia patinando no Brasil, como nunca patinou nos últimos anos.

A triste certeza que sobra, é da irreparável perda que sofreu essa nação.

Adeus Eduardo.