O TEMPO

A tragédia mineira

Redação O Tempo

Por Vittorio Medioli
Publicado em 15 de novembro de 2015 | 03:00
 
 

Depois do desastre, de gravidade sem precedentes, que devastou o município de Mariana e todo o Vale do Rio Doce, instala-se naturalmente o processo para se encontrarem as causas e se determinarem responsabilidades.
 
O descarte de minério descendo em avalanche decretou a morte de dezenas de pessoas, a extinção de povoados históricos, arruinou centenas de famílias, de propriedades rurais, a fauna e a flora que povoavam a região, símbolo dos primórdios de Minas.
 
O estrago revolta até o olhar mais insensível. Os danos difíceis de quantificar, a recuperação impossível e irreparável, atingindo diretamente grande parcela da população do Estado, chocaram o mundo inteiro. E a pergunta: como é possível que um Estado de vocação extrativa, que já teve vários desastres decorrentes da mesma causa, volte a protagonizar um espetáculo tão avassalador?
 
Os dejetos da mineração, acomodados numa bacia de contenção da Samarco, são resultado da extração ininterrupta de minério de ferro ao longo dos últimos 40 anos. A bacia foi estudada inicialmente com segurança para abrigar as sobras não comercializáveis da extração. Sofreu seguidas expansões, determinando a elevação de seu nível para conter camadas de rejeitos originadas pela produção de polpa de minério, que segue por mineroduto até o Espírito Santo. Na chegada a Ubu, próximo ao porto de embarque, o material é transformado em pelotas, que são exportadas para o mundo inteiro.
 
Os últimos anos fizeram da Samarco, controlada pela Vale, a principal fornecedora de pelotas de minério do mundo. Evidentemente, foram subestimados o risco representado pela elevação da cota e a condição em que se estabilizariam milhões de toneladas de resíduos.
 
Abaixo da barragem não foram erguidas barreiras suplementares de contenção que pudessem atenuar um possível rompimento ou dar vazão a uma emergência. Confiou-se que a barragem fosse sólida e suficiente por si mesma.
 
Para atenuar responsabilidades, foram apresentadas hipóteses, como a de abalos detectados por sismógrafos em Brasília na hora do rompimento das duas barragens. A região de Mariana, entretanto, é considerada estável e sem terremotos. A informação pode, assim, ser interpretada em duplo sentido. O primeiro deixa entender que um tremor de terra de intensidade de 1,5 grau na escala Richter gerou a quebra da barragem, coincidindo com o horário da falência da encosta. Mas também deixa livre a interpretação de que o movimento de milhões de toneladas, durante o estouro da represa, gerou o tremor detectado pelos sismógrafos. Certamente uma leitura atenta dos dados poderá esclarecer o ponto de origem, se no subsolo ou na superfície.
 
A intensidade de 1,5 grau do abalo registrado, também, não representa, via de regra, impacto suficiente para uma estrutura elástica como uma barragem sofrer prejuízos sérios.
 
A falha mais plausível recai nos projetos de ampliação, que poderiam ter elevado em excesso o nível da sedimentação dos dejetos. Quanto mais alta, mais crítica ficou a barragem, numa cota muito elevada em relação a sua base.
 
Nos últimos 15 anos a extração se acelerou, ditou novas ampliações para acolher descartes da extração mineral. A Samarco passou do ponto de segurança? Entrou numa faixa de risco elevadíssima? Mas foi autorizada e fiscalizada pelo Estado. A responsabilidade não só é de quem executa, mas também de quem autoriza e fiscaliza.
 
No Estado de Minas Gerais, milhares de empreendimentos, que não representam risco algum e poderiam gerar milhões de vagas de trabalho, recebem tratamentos de controle ambiental pontualmente burocráticos e punitivos. Ainda se arrastam por anos e passam por etapas inconsequentes, tolhendo a Minas o direito ao progresso.
 
Isso choca ao se olhar para o desastre de Mariana, mais um, sem novidades, a não ser pelo tamanho do estrago que matou o rio Doce. Não dá para entender como as bilionárias mineradoras têm projetos aprovados ao arrepio da segurança, do bom senso e a toque de caixa.