Vittorio Medioli

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Opinião

Assalto imoral

Publicado em: Dom, 03/04/22 - 03h00

Qualquer lei que dê benefício deve ser criada por outra instância que não sejam os beneficiados. O aumento do salário do Legislativo, por exemplo, atendendo um princípio de moralidade, deveria ser dado pelo Executivo, e vice-versa. Ninguém pode legislar em causa própria. 

A imoralidade dos congressistas criou e elevou para quase R$ 6 bilhões o Fundo Eleitoral, em desrespeito frontal aos princípios universais de ética, moralidade e probidade. 

Dessa forma, as próximas eleições, que “já começaram”, gerarão um verdadeiro carnaval de promessas com a distribuição de montanhas de dinheiro fácil. Os parlamentares é que dividem entre si esse butim vergonhoso, que o presidente da República vetou, limitando-o a R$ 2 bilhões, para eles mesmos derrubarem o veto e “legalizar” essa rapina ao erário nacional. 

Se fosse apenas por isso, parlamentares que concorrem à reeleição, fazendo uso desse dinheiro “subtraído” às necessidades de saúde, educação, infraestrutura, combate à pobreza e à fome, deveriam ser expulsos da vida pública pelo voto dos eleitores, retribuindo, assim, o gesto mesquinho, irresponsável, quando vivemos num momento de extrema pobreza e dificuldade. É um gesto que apenas indigentes morais, nulidades e sanguessugas poderiam cometer. E com requinte de perversidade, pois negaram também a possibilidade de o candidato aportar mais de 10% dos recursos autorizados. Dessa forma, usar recurso público possibilita um limite dez vezes superior para os “assaltantes”, destruindo a paridade de oportunidades. Como diz o Tenório: “No Brasil roubar compensa”. 

O que deveriam fazer os parlamentares seria aprovar normas de eleições econômicas, regradas, austeras, e não esbanjadoras, prostituídas, como eles se atribuem sem ter o direito. 

Essa medida gera um desequilíbrio insuportável à democracia, vicia o pleito, invalida o princípio de legítima representação popular de quem ocupará o Congresso nos próximos quatro anos. O que o Brasil pode esperar de gente que se elege dessa forma? 

Os eleitores não têm a quem recorrer, já que o STF silenciou, para dar um basta a essa fraude. Poder-se-ia reagir recusando-se a votar e, com a deserção às urnas, anular o pleito enquanto o Fundo Eleitoral não for substituído por regras que limitem os gastos eleitorais para todos os candidatos. Ademais, tratando-se de recursos retirados da população contribuinte, é claro que esta deveria referendar, isto é, deveria ser chamada às urnas para aprovar o fundo, e não ser vítima dessa carteirada do Congresso. 

A Lei 9.709/1998, que tenho orgulho de ter votado como deputado, deixa claro: 

Art. 1º A soberania popular é exercida por sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, nos termos desta Lei e das normas constitucionais pertinentes, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular.

Art. 2º Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que aprove ou rejeite a matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.

§ 1º O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido.

§ 2º O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.    

Ora, não é “relevante” atribuir-se R$ 6 bilhões em causa própria para se perpetuar no poder? Além de isso ser imoral, ilegal e perverso, subtrai-se à população o direito de referendar o que beneficia despudoradamente partidos e parlamentares.  

Há também partidos que criticam o Fundo Eleitoral e fazem espetáculo sobre essa imoralidade, entretanto deixam de apresentar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), como lhe caberia propor por prerrogativa privativa. Não se viu um até agora! 

Nesse cenário, em que o dinheiro em causa própria impera além do pudor, nem aqueles que se omitem de contestar são inocentes. 

É um caso de quase unanimidade nacional a rejeição ao fundo, que, se for “ad referendum”, será incinerado pelas vítimas, os eleitores. Pior: garante-se, assim, para a população o castigo de ser representada por políticos medíocres e deletérios durante quatro anos de regalias e mordomias, como não se vê em nenhum país civilizado.