O TEMPO

Cobrar imposto sobre as drogas

Redação O Tempo

Por Vittorio Medioli
Publicado em 10 de junho de 2018 | 04:30
 
 

Paralelamente à escalada da corrupção nos setores públicos, registrou-se na sociedade civil um portentoso crescimento e enraizamento das organizações criminosas. Estas passaram a dominar o tráfico de drogas em todo o território nacional – atividade mais rentável que qualquer outra – e deram ao crime capital para abocanhar setores de transporte de passageiros (vans e fretamento) e distribuição de gás de cozinha, além de esboçar presença em várias atividades de serviços.

Essas informações saem de uma série de reportagens do jornal “O Estado de S. Paulo” dos últimos dias.

Aflora das matérias um sistema tentacular que ocupa milhares de pessoas de forma hierarquizada (cerca de 6.000), com regras próprias, administrando “empresarialmente” atividades facilitadas pelas armas e pela violência.

Não cresceram em selvas luxuriantes como as Farc, mas em aglomerados de cimento nas periferias das grandes metrópoles. Os dados traçam uma máfia tropicalizada do século XXI, que já se impõe à sociedade brasileira com exibição de truculenta ousadia ao som de metralhadoras. Estão se testando, quase diariamente e com aumento de doses, tanto as forças de penetração quanto a capacidade de resistência da segurança pública nacional.

Entrevista com o líder maior do Primeiro Comando da Capital (PCC), o Marcola, que acumula penas de 300 anos de prisão, faz aparecer um sujeito de notável inteligência, frio e calculista. Abaixo dele, a hierarquia precisa ser atualizada constantemente devido às baixas que se realizam entre os pretendentes ao olimpo da organização. Marcola, o papa, culpa as elites políticas e econômicas pelo descaso com a população mais carente, exatamente aquela que o PCC vem conquistando com afagos, milícias armadas, geração de empregos no submundo e que acabam por tomar conta de comunidades inteiras.

As metrópoles brasileiras, que cresceram sem planejamento, apresentam uma triste qualidade de vida e favorecem, assim, diretamente, a criminalidade organizada. Como um vírus que se espalha por falta de cuidados médicos.

O plano habitacional Minha Casa, Minha Vida tem facilitado a tomada de poder do PCC, que domina muitos dos grandes conjuntos de periferia. O formato geométrico, previsível com a verticalização, deixou mais fácil ainda a tarefa. Em São Paulo e agora em Minas, assumir o cargo de síndico de um conjunto, categoria 1 do Minha Casa, é cada vez mais improvável sem o beneplácito da orcrim (organização criminosa) da região.

Denuncia-se que cerca de 30% das moradias subsidiadas pela Caixa foram tomadas “na raça e na ameaça”, despejando os inquilinos, para alojar milicianos e membros a serviços da organização.

O jornal “O Estado de S. Paulo” revela que de uma conta bancária, reconhecida como pagadora de aquisições de pasta-base de cocaína produzida na Bolívia, em 15 dias de dezembro de 2017, foram realizadas remessas de US$ 1,4 milhão para um fornecedor. Disso pode-se chegar a uma receita de R$ 800 milhões por ano na comercialização de derivados da pasta-base e uma lucratividade presumida de R$ 400 milhões a 500 milhões. Certamente não existe apenas “um” fornecedor, e não seria aquela revelada a única conta pagadora, levando a crer que o esquema movimenta alguns bilhões de reais com elevada lucratividade. Disso a necessidade de legalizar atividades para lavar os ganhos mirabolantes proporcionados pelo tráfico.

Os cerca de 70 ônibus incendiados em Minas na última semana, em suposta retaliação ao corte de sinal de celular em presídios que abrigam líderes do PCC e suas ramificações, não constituem apenas uma agressão à liberdade do cidadão, mas também um fortalecimento do transporte clandestino tomado de mira pelo PCC, que se ergue como alternativa em caso de ineficiência do transporte coletivo (ônibus).

O PCC vem se soerguendo – segundo “O Estado de S. Paulo” – como operador internacional entre os países produtores de coca, Bolívia, Peru e Colômbia, e os consumidores Europa e Oriente Médio, movimentando toneladas de entorpecentes via portos brasileiros.

Quem facilitou a vida do PCC nos últimos anos foi a ocupação da Polícia Federal com o combate à maior corrupção planetária, provavelmente necessitando de um órgão com autonomia na missão que lhe é reservada pela Constituição.

Dados oficiais atribuem 85% dos homicídios às drogas num Brasil com mais de 62 mil homicídios. Temos assim cerca de 52 mil vítimas fatais, afora aqueles que morrem em decorrência do uso das drogas e os drogados que perecem em acidentes rodoviários.

Não tem como se esconder que, para enfrentar essa guerra não declarada contra o Brasil inteiro, não existe empenho especial por parte dos governos.

O Brasil alcança tristemente o segundo lugar entre os maiores consumidores de cocaína e derivados, atrás apenas dos Estados Unidos, de acordo com o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O estudo mostra que o país responde hoje por 20% do mercado mundial da droga!!!

Ao todo, mais de 6 milhões de brasileiros já experimentaram cocaína ou derivados ao longo da vida. Dentro desse grupo, 2 milhões fumaram crack, óxi ou merla alguma vez, e 1 milhão foram usuários de alguma dessas três drogas no último ano. Cerca de 60% de toda a produção da Bolívia é consumida no Brasil.
Não paira dúvida de que a criminalidade no Brasil é decorrente do consumo de drogas.

Certamente, a criminalização ou as restrições à liberdade dos usuários, uma vez regulamentadas, enfraqueceriam essa “besta” difícil de controlar. Sem usuários não haveria tráfico!

Um exemplo de enfrentamento inteligente é o exame toxicológico feito nos motoristas profissionais. Essa precaução deveria se aplicar como rotina, ao menos anual, para toda a população, impondo-se multas elevadas sobre as rendas do indivíduo, especialmente dos mais abastados, que alimentam as “bocas” do tráfico.

Ora, o país não pode sucumbir a violências, enfrentar gastos desnecessários para tratar pessoas que se envenenam. O enfrentamento inteligente tiraria o país da mais triste liderança. O exame toxicológico generalizado enquadraria a população em risco e permitiria focar nela cuidados especiais e, ainda, saber de quem tirar as maiores contribuições para um fundo dedicado ao enfrentamento dessa “guerra” não declarada.

Para os milionários que regam suas festas com pó, pagar uma penalidade proporcional ao patrimônio talvez seja suficiente para uma vitória sem castigar toda a sociedade pelas falhas de quem alimenta a desgraça.